Como
disse um dia Tom Piazza acerca dos habitantes de Nova Orleães (em “City of
Refuge”), Fred Hersch insistiu em prevalecer – ou seja, foi capaz de
transformar as suas muitas privações em ativos. Aliás, é nesses termos que o
novelista resume o livro de memórias que Hersch publicou no ano passado: como
uma história de superação. E também Jason Moran escrevinhou qualquer coisa do estilo,
referindo os obstáculos com que Hersch lidou dentro e fora do palco, em relações
amorosas ou na sua recuperação: “No jazz, um intérprete partilha tanto as suas
virtudes quanto as suas falhas – é como o reflexo do mundo; e ao improvisar – o
princípio elementar [do género] – é capaz de fazer do infortúnio fonte de
inspiração.” Enfim, Hersch é defumado com incensos desde que vive com a
síndrome da imunodeficiência adquirida. Mas muito de vez em quando somos
relembrados que ele nunca foi propriamente um moralista.
Numa entrevista
recente (na edição do mês passado da revista “The New York City Jazz Record”),
observe-se com atenção o modo como se refere a Cecil Taylor: “[Um pianista]
brilhante, muitíssimo organizado, e uma enorme influência em músicos como Craig
Taborn ou Jason Moran. Uma figura imponente que soube fazer as coisas à sua
maneira. O facto de ser gay foi uma mera
nota de rodapé. Por sinal, ele soube contradizer exemplarmente aquela ideia
feita de que se és gay, então, tens
de tocar música bonitinha.” Pois bem, não se podendo, por um segundo, afirmar que
se trata do contrário de bonito, este “Live in Europe” (registado em Bruxelas,
em novembro último, na reta final de uma digressão de três semanas com John
Hébert na bateria e Eric McPherson no contrabaixo) será igualmente a tentativa
de Hersch tornar claro que a presença do HIV na sua vida nunca poderá deixar de
se confundir com um mau augúrio, negro catalisador do caos emocional e
psicológico, origem de um ubíquo receio de alienação. São originais de
irreconciliáveis tensões (dedicados a John Taylor, Sonny Rollins ou, lá está,
Tom Piazza), e que obrigam quem os escuta a partilhar de uma responsabilidade algo
esmagadora. Pelo meio, como se fosse possível recomeçar do zero, temas de Monk
e Shorter. E Hersch a vender saúde.
Sem comentários:
Enviar um comentário