Não sendo novel, o argumento é convincente: dá-se
por uma certa maturação formal nos derradeiros opúsculos de Chopin, por
inovadoras conceções harmónicas, por um sentido polifónico mais apurado. Mas, como
sempre, claro, a dificuldade é conciliar o que se pode fazer com aquilo que se
deseja fazer. Kenner, comparando com revelações recentes, como Yundi ou Anna
Gourari, ainda assim distantes do elísio onde repousam Rubinstein ou Arrau, possui,
aqui, um tom menos ambarado, o que lhe permite reagir num instante à vertigem de
estados de espírito da “Sonata Nº 3 em Si menor”, por exemplo, sem ter de
abdicar da perspetiva algo misericordiosa que normalmente se tem da melodia no terceiro
andamento. Pois, independentemente de leituras mais ou menos tridimensionais, quando,
no caso de Chopin, se lê “Late Works”, o que vem à ideia é que, na altura,
entre 1844 e 1849, digamos, o compositor não podia estar menos preocupado com o
futuro, provando-se uma e outra vez atraído mais pelo princípio das histórias do
que pelo seu fim, preso àquele lugar da sua mente em que tristeza e destino se
confundiam.
Nem seria o período de doença e desilusão que o acompanhou até à
morte a fazê-lo renunciar à subtileza, apesar da preocupação por toda e
qualquer patologia se ter tornado praticamente epistolar, como é óbvio. Conforme
o relato de Adam Zamoyski em “Chopin: Prince of the Romantics”, em 46 veio “Lucrezia
Floriani”, a novela de George Sand que fez correr muita tinta entre os amigos
do casal, da fase, antes de romperem, em que a escritora se refere a Chopin
como “adorável cadaverzinho”. Depois, durante a sua última viagem a Inglaterra
e à Escócia, em 48, a propósito de rumores que o ligavam romanticamente a Jane
Stirling, sua mecenas, Chopin disse por carta a Albert Grzymala que estava mais
próximo da cova do que do casamento – por sinal, redigiu o seu testamento antes
ainda de voltar a Paris. Como tudo isto invade as “Mazurcas” do Op. 58 e 63, a
“Barcarola” do Op. 60 ou o “Noturno” do Op. 62 será um mistério, mas que polui
a intuição de Kenner é evidente – como um véu que cai sobre outro.
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