Foi há cerca de 35 anos, numa
integral às mãos de Davitt Moroney (lançada nesta mesma Harmonia Mundi), que,
por fim, se espalhou em cima da mesa a totalidade das peças que constituem o extraordinário
puzzle da obra para cravo de Louis Couperin (com efeito, 134 faixas reunidas em
5 LP). Não menos importante, também em 1983, por sinal, foi a correção à
metáfora imediatamente sugerida por Christopher Hogwood, na L’Oiseau-Lyre,
quando, ao invés, promoveu uma adesão concetual ao Lego. De facto, aí, as
mesmíssimas suítes interpretadas por Moroney, em título, e por conveniência e
convenção organizadas de acordo com a respetiva tonalidade das suas
constituintes (gigas, chaconas, sarabandas, galhardas), são pouco mais que um
molde em que se vazam fragmentos em variadíssimas combinações.
Pois, que se
saiba, Couperin nunca as fixou – foram manuscrita e postumamente agrupadas (por
exemplo, 8 sarabandas em Ré menor ali, quinze danças em Dó maior acolá), mas
jamais dispostas de maneira definitiva, isto é, de modo a sustentar uma
apresentação formal de acordo com os costumes do seu tempo. O que – lá está –
transporta instantânea e paradoxalmente cada um dos seus intérpretes para o
século XVII: de acordo com a prática do período, o cravista tem aqui liberdade de
reunir peças a seu bel-prazer, e, de, tão nuas, passar em revista guarda-roupa
de época para as adornar com ornamentos a seu gosto. Nessa medida, Christophe
Rousset é incomparável. Dir-se-ia, até, ter herdado a impaciência de Couperin –
de chofre, as suas construções parecem assentes em falhas sísmicas, frases
melódicas vão ficando cada vez mais oblíquas e inventivas, ideias surgem de
onde menos se espera, toda a repetição é excomungada. Na introdução ao seu
disco, não terá sido por acaso que Moroney recordou uma frase de Pascal sobre a
imaginação: “Esta soberba força, inimiga da razão, que se compraz em
controlá-la e dominá-la para mostrar poder em todas as coisas, estabeleceu no
homem uma segunda natureza. (…) Faz crer, duvidar, negar. (…) Faz a beleza, a
justiça e a felicidade, que é tudo no mundo.” Rousset dá-lhe voz.
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