8 de dezembro de 2018

Couperin: Nouvelles Suites de Clavecin (Harmonia Mundi, 2018)


Foi há cerca de 35 anos, numa integral às mãos de Davitt Moroney (lançada nesta mesma Harmonia Mundi), que, por fim, se espalhou em cima da mesa a totalidade das peças que constituem o extraordinário puzzle da obra para cravo de Louis Couperin (com efeito, 134 faixas reunidas em 5 LP). Não menos importante, também em 1983, por sinal, foi a correção à metáfora imediatamente sugerida por Christopher Hogwood, na L’Oiseau-Lyre, quando, ao invés, promoveu uma adesão concetual ao Lego. De facto, aí, as mesmíssimas suítes interpretadas por Moroney, em título, e por conveniência e convenção organizadas de acordo com a respetiva tonalidade das suas constituintes (gigas, chaconas, sarabandas, galhardas), são pouco mais que um molde em que se vazam fragmentos em variadíssimas combinações. 

Pois, que se saiba, Couperin nunca as fixou – foram manuscrita e postumamente agrupadas (por exemplo, 8 sarabandas em Ré menor ali, quinze danças em Dó maior acolá), mas jamais dispostas de maneira definitiva, isto é, de modo a sustentar uma apresentação formal de acordo com os costumes do seu tempo. O que – lá está – transporta instantânea e paradoxalmente cada um dos seus intérpretes para o século XVII: de acordo com a prática do período, o cravista tem aqui liberdade de reunir peças a seu bel-prazer, e, de, tão nuas, passar em revista guarda-roupa de época para as adornar com ornamentos a seu gosto. Nessa medida, Christophe Rousset é incomparável. Dir-se-ia, até, ter herdado a impaciência de Couperin – de chofre, as suas construções parecem assentes em falhas sísmicas, frases melódicas vão ficando cada vez mais oblíquas e inventivas, ideias surgem de onde menos se espera, toda a repetição é excomungada. Na introdução ao seu disco, não terá sido por acaso que Moroney recordou uma frase de Pascal sobre a imaginação: “Esta soberba força, inimiga da razão, que se compraz em controlá-la e dominá-la para mostrar poder em todas as coisas, estabeleceu no homem uma segunda natureza. (…) Faz crer, duvidar, negar. (…) Faz a beleza, a justiça e a felicidade, que é tudo no mundo.” Rousset dá-lhe voz.

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