Mal
começa, com o elusivo ‘Down 8 Up 5’ (e, sim, o título da peça descreve
exatamente o movimento descendente e ascendente do seu principal motivo
melódico e rítmico), é no narrador de “O Expulso”, de Beckett, em que se pensa,
incapaz de uma coisa tão simples quanto contar os degraus de uma escadaria.
Principalmente, ali umas linhas mais à frente, quando se dá com uma frase
destas: “As memórias matam. Por isso mais vale nem pensarmos em certas coisas
(…), quer dizer, é melhor pensarmos nelas, sim, todos os dias, várias vezes ao
dia, ou senão corremos o risco de as ver despontar uma a uma na nossa cabeça.”
Agora, é Michael Formanek que nos vem falar de um tempo permanentemente poluído
pela memória – ou, se possível, e de modo muito paradoxal, da necessidade de
blindar a sua música à involuntariedade. Isto é, como insinuaria Beckett ao
escrever sobre Proust, de ser preferível cultivar-se o esquecimento. Uma ideia
francamente absurda, claro. E sobe e desce mais desconcertante do que o deste
seu tema só mesmo no Bucha e Estica de “Dois Músicos Desafinados”, em que Stan
e Ollie tentam carregar um piano escada acima e, também eles, como o
protagonista do conto de Beckett, se vêem aflitos com os degraus. Aqui, é com
‘A Fine Mess’ (“Another Fine Mess” ou, em português, “Proprietário à Força”,
chamava-se outra curta-metragem da dupla) que se invoca essa forma cómica de
lidar com a aleatoriedade do mundo que, quer em Beckett quer em Laurel &
Hardy, serve igualmente para sublinhar toda a tragédia da inação.
Porque, de
forma mais ou menos metafórica, nesta música não deixa de estar presente… Isso,
o presente. Aquilo, por exemplo, a que Formanek se poderá estar a referir com
‘The New Normal’, que é uma daquelas expressões que passam subitamente a
contaminar o chorume da linguagem jornalística no seu país (algumas manchetes
da semana passada: “The New Normal isn’t normal at all” in “The Washington Post”; “Jailing Hundreds of Journalists Worldwide
is the New Normal” in “The New York
Times”; “Is Tear Gas at the Border the New Normal?” in “The New Yorker”). O que só por si serve para explicar o batismo
do quarteto que formou com Tony Malaby, Kris Davis e Ches Smith, um que não só evita
a prisão ideológica deste tempo como em termos de andamento a das próprias composições,
ficando tudo fora dos eixos, a abrir a sutura da partitura. Como a grande
música de qualquer era, aliás.
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