“Himmelsmusik” [L’Arpeggiata, Céline Scheen, Philippe
Jaroussky, Christina Pluhar (d); Erato, 2018]
Em
“Orfeo Chamán”, Christina Pluhar, que nunca recuou instintivamente ao toque da
alegoria, atribuiu protagonismo a Nahuel Pennisi, um cantor e guitarrista
invisual, como referência, quiçá, a quanto o mito de Orfeu – cuja ação
transferia para os Andes – dependia de fé cega. Conhecia bem o terreno. Afinal,
tinha levado o L’Arpeggiata a gravar folclore latino-americano em “Los Pájaros
Perdidos” – ficando registada a alusão a “Os Passos Perdidos”, de Alejo
Carpentier, outro que invertia eixos axiológicos. Consigo na viagem, algo desconfortável
no papel, seguia o contratenor Philippe Jaroussky, que, na altura, não imaginava
a dimensão do anacronismo a que teria de dar voz com “Music for a While”, quando
Pluhar sujeitou Purcell ao jazz. Imagina-se o arrepio que provocou o anúncio de
“Himmelsmusik”! Mas não há o que recear. Numa total inversão de paradigma, este
disco dedicado ao barroco alemão lembra, digamos, o regresso de alguém como
Anthony Braxton às suas composições em “Five Pieces” – portanto, àquilo que
sabia e devia mesmo fazer – após insatisfatórias incursões no mundo dos standards. Isto, porque Pluhar, que se
considera uma improvisadora, tem o bom senso de perceber que há peças que “têm
de ser deixadas em paz e reveladas pelo que possuem de mais belo e puro”. Com
Scheen e Jaroussky em estado de graça, estas (as de Theile, Schütz ou Ritter),
então, nunca saem do firmamento.
“Soul
of a Nation 2” (Soul Jazz, 2018)
Um
dia, Gil Scott-Heron cantou assim: “Entristece-me que os meus filhos não possam
ver/ O Natal como costumava ser”. Referia-se ao período abrangido por esta
compilação (meados de 70), embora ele e os seus contemporâneos celebrassem
antes o Kwanzaa. Malabaristas como Art Ensemble of Chicago, Byron Morris, Gary
Bartz ou Pharaohs, que tocavam de punho erguido.
Caetano
Veloso “Transa” (re. Elemental, 2018)
Certo:
o que tem ‘In the Hot Sun of a Christmas Day’ é o LP anterior, também gravado
em Londres. Mas foi com “Transa”, ali em 1971-1972, que Caetano passou a “amar o
verde dos parques” e “a calma das ruas” da cidade em que vivia exilado. Até
ficou bilingue (“I’m alive e vivo”, grita). Algo adiáforo, serve para provar
que pássaro na gaiola não canta: lamenta.
Bach: Mass in B Minor [Les Arts Florissants, William
Christie (d); Harmonia
Mundi, 2018]
Entre
as mais profundas raízes desta “Missa” destacam-se as que remontam ao Natal de
1724, mais concretamente ao “Sanctus” que Bach, então, compôs. Mas os toques
finais, esses, recebeu-os em 1749, num “Et incarnatus est” que parece tudo
menos isso, com o compositor a ver a vida a andar para trás. Aos 73 anos,
Christie sabe que às vezes não há tempo a perder.
Michel Petrucciani “5 Original Albums” (Decca, 2018)
Agora,
que está quase, aí, a estrear “Glass”, é a altura ideal para recordar
Petrucciani, cujo corpo teve mais fraturas do que ossos. À custa do seu superpoder
tirou Charles Lloyd da reforma, em inícios de 80. Entre os discos que gravou
para a Owl, aqui reunidos, o mais belo é “Oracle’s Destiny”, dedicado ao
mestre. O primeiro é o que tem ‘Christmas Dreams’.
Dexter Gordon Quartet “Espace Cardin 1977” (Elemental, 2018)
Era
desde 1963 “Our Man in Paris”. Mas em 1977 nem todos saberiam que Dexter já tinha
ido passar o último Natal a casa. O que explica o complexo de emoções nesta
gravação: por um lado, o reencontro com Pierre Michelot e Kenny Clarke; por
outro, a despedida da capital francesa. Ou a ressurreição de Al Haig, claro,
que bem sabia o que era penar longe de Ítaca.
Goethe
descrevia os quartetos como “conversas entre pessoas inteligentes”. Espíritos
maldosos diriam que Beethoven os transformou em diálogos de surdos, como o que
teve no Natal de 1825 com Karl Holz, ele de “Grande Fuga” debaixo do braço e o
violinista a maldizer a técnica em geral. Aqui, a espaços, o Casals é uma
quadriga desgovernada. Beethoven aprovaria.
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