Há
coisa de quatro anos, pelo telefone, pergunto a Wayne Shorter acerca da sua
relação de trabalho com a Orpheus Chamber Orchestra. “Tem piada”, comentou ele.
“Reuni-me com um representante da orquestra, que me disse: ‘Já sei como é que
vamos fazer isto’. E eu respondi-lhe: Ah, sim? Como? Ele vira-se para mim e exclama
‘Shazam!’, colocando uma figurinha de ação do Capitão Marvel em cima da mesa! Sabe
o que isso quer dizer, não sabe?” Hesito, apanhado de surpresa, até que sugiro:
Que ele também crê no multiverso? Shorter ri-se, a chamada cai e eu fico a achar
que ele foi parar a outra dimensão. Não seria de estranhar. A conversa tinha
passado pelo universo dos super-heróis (“O Miles foi o Batman do jazz”), da banda
desenhada (“Fiz uma, aos 15 anos, chamada ‘Other Worlds’”), da física (“Os cientistas
conduzem hoje o seu trabalho improvisando”), da psicologia (“Em termos
cognitivos, o músico de jazz é um herói do tempo de reação” – e “rt’s hero” é
um anagrama de Shorter) e, claro, por universos paralelos propriamente ditos (“No
quarteto, é quando está cada um a puxar para seu lado que o portal se abre!”).
Pois,
então, aí está Shorter, de regresso a esta realidade, como se não tivesse
decorrido tempo algum. Aliás, uma das últimas frases que aqui se lê (“Emanon” é
composto por uma BD e por três CD) é uma das últimas que ouvi saídas da sua
boca em 2014: “Só seremos responsáveis por produzir, realizar e protagonizar a
nossa própria existência quando concretizarmos todo o potencial que há em nós”.
Dir-se-ia a síntese das aventuras de Emanon pelo multiverso! Na BD, a caracterização
do personagem, ilustrada por Randy DuBurke, sugere o retrato de Shorter que Billy
Dee Williams pintou em meados de 80 para a capa de “Atlantis”. Também ‘The
Three Marias’, um tema inspirado pelo processo judicial contra as autoras de
“Novas Cartas Portuguesas”, remete para o período – surge agora numa versão
orquestral e noutra com o quarteto que Shorter mantém há 18 anos com Danilo Pérez, John Patitucci e Brian Blade. Mas, pelo menos
no CD com a Orpheus, “Emanon” traz mais à memória “High Life” (1995), quando se
adivinhava que Shorter viria a pegar naquela tradição norte-americana –
pense-se em Adams, Bernstein e Copland, para se ficar pelo início do alfabeto –
que viu na pauta o que os pioneiros haviam enxergado na pradaria: um recomeço.
Entre gravações de estúdio e ao vivo e repertório antigo e inédito, “Emanon” nem
tem de ser o disco mais conseguido da sua carreira: basta revelar-se o que mais
lhe honra o potencial de disrupção, prova de que mantém os superpoderes intactos.
Shazam!
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