Manuel António Pina é que sabia: “As palavras não
chegam// E, no entanto, é à sua volta/ que se articula, balbuciante/ o enigma
do mundo// Não temos mais nada, e com tão pouco / havemos de amar e ser amados.”
Podia estar a descrever o diálogo decisivo em “Natureza Morta”, uma peça de Noël
Coward. Ele: “Sabe que aconteceu, não sabe?” Ela: “Sim, sei.” Ele:
“Apaixonei-me por si.” Ela: “Eu sei.” Ele: “Diga-me honestamente se é verdade o
que creio ser.” Ela: “E o que crê?” Ele: “Que também se apaixonou por mim.”
Ela: “Que tolice.” Ele: “Porquê?” Ela: “Porque mal o conheço.” Ele: “Mas é
verdade, não é?” Ela: “Sim, é. Mas não podemos ter bom senso e esquecer?” Ele:
“É tarde demais.” Enfim: absolutamente excruciante. Talvez por isso, quando
adaptou a peça ao cinema, em 1945, tenha David Lean acrescentado um elemento
capaz de domiciliar tudo aquilo que parecia escapar à capacidade de compreensão
das próprias personagens: o “Concerto para Piano e Orquestra Nº 2”, de
Rachmaninoff.
Aí, em “Breve Encontro”, a música serve para ilustrar um lugar alheio
à vontade de Alec e Laura, pessoas casadas que se cruzam numa estação de
comboios, se vêem meia dúzia de vezes e se apaixonam para logo renunciar a esse
amor, um lugar distante do das plataformas, cafetarias e salas de espera, com
os seus conformistas símbolos de pontualidade e patriarquia: horários,
anúncios, apitos, sirenes e, claro, sinos. Vem isto à memória mal se vê
Trifonov nestas fotografias, como que saído de um filme de época, embora a metáfora
ferroviária derive do seu entendimento do “Concerto para Piano e Orquestra Nº 4”,
cujo “primeiro andamento é como uma locomotiva a acelerar pelos carris”, diz. Rachmaninoff
deu-lhe os últimos retoques na altura da Segunda Guerra Mundial, tinham os
comboios fins bem mais funestos. Em algumas das suas últimas entrevistas,
também Pina falava de um “comboio eterno, sempre a passar,” que, em miúdo, lhe
atrasava o regresso a casa. Assim foi com Rachmaninoff, que morreria no exílio,
e assim é com Trifonov, que embaça estas obras com a nostalgia. Não há melhor
forma de lhes fazer justiça.
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