Dir-se-iam encaixar perfeitamente um no outro, Capuçon
e Schumann, tivesse tido o compositor um pouco mais de consideração pelo
violoncelo – afinal, dedicou uma década ao piano antes de “erguer a cabeça e
olhar em roda”. Aliás, em 1845, no ano do “Concerto para Piano”, já com uns
opúsculos camerísticos na gaveta e quando trabalhava na segunda sinfonia,
Schumann confessou ter adquirido por completo uma “nova forma de compor”, menos
dependente de “fogachos de inspiração”, convertido que ficava ao que lia num
tratado de A. B. Marx: “Ao longo da vida podemos ter a sorte de nos sairmos com
uma ou outra boa ideia, mas a nossa capacidade de produzir não se pode sujeitar
a algo tão arbitrário.” Além de que a retórica de Marx advogava que se fizesse
música sem o auxílio de instrumentos: “Só desse modo chegaremos a desenvolver o
nosso trabalho com total independência”. Isto é, Schumann afastava-se daquele
tempo em que, guiado pela intuição, como recorda Dana Gooley em “Fantasies of
Improvisation”, fazia apontamentos como: “Quão prolongada e ilimitadamente
improvisei! E a cada pequena pausa, por mais breve que fosse, ia-me apercebendo
do quanto estava a progredir.”
Agora, por mais que o repertório à sua
disposição não se meça pela mesma bitola, nada disto invalida que Capuçon ponha
uma capa em cima dos ombros e faça jus a esse super-herói da espontaneidade que
ao teclado criou “Davidsbündlertänze”, “Carnaval”, “Kinderszenen”,
“Kreisleriana” ou “Fantasie”. De facto, aqui, principalmente nas obras gravadas
com Argerich, como “Adagio e Allegro”, Op. 70, onde permanece convincentemente
lírico, nas “Fantasiestücke”, Op. 73, em que a sua reação ao andamento final –
“schneller und schneller” – traz à
memória décadas de figuração em filmes sobre a Segunda Guerra Mundial, e nas
“Fünf Stücke im Volkston”, Op. 102, o francês prova-se exemplarmente romântico.
Mas é nas “Fantasiestücke”, Op. 88 (em trio, com o seu irmão no violino), e no
“Concerto para Violoncelo”, Op. 129, que evita qualquer gesto espúrio e opta,
antes, pelo humor e humildade que conferiram sentido aos últimos dias de
Schumann. E, isso, nem Maisky (que gravou com Argerich), nem Schiff (que gravou
com Haitink) fizeram.
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