5 de janeiro de 2019

Mulatu Astatke and his Ethiopian Quintet “Afro-Latin Soul Vols. 1 & 2” (Strut, 2018)


Falávamos há coisa de 20 anos, numa esplanada de Colónia, na Alemanha, vinha Quinton Scott de deixar a Harmless e de fundar a Strut: “De certa forma, uma é a continuação da outra,” dizia-me ele, sorvendo a espuma pintalgada de canela de um cappuccino, no momento em que se aventurava por conta própria. “Mas, de facto,” prosseguia, “quis pegar nas coisas no ponto exato em que as tinha deixado. Pedi ao Pogo uma compilação de breaks [‘Block Party Breaks’, na Strut, após ‘The Breaks’, na Harmless] e ao Russ Dewbury uma de música africana [‘Club Africa’, na nova editora, a ocupar o lugar de ‘Africafunk’, na antiga]. Mas adorava fazer qualquer coisa com o Tony Allen, por exemplo. Ou com o Mulatu – ninguém sabe quem ele é, mas custa-me que ‘Africafunk’ tenha um tema dele e que ‘Club Africa’ não.” Pergunto-lhe se está a par de uma coleção francesa chamada Éthiopiques. “Sim, da Buda. Foi aí que o licenciámos. Acho incrível o que estão a fazer, mas têm qualquer coisa de Ultra-Lounge [chancela da Capitol consagrada ao easy listening]. Produzem uma antologia do Mulatu e o nome dele nem vem na capa!” Além, acrescento eu, de que aparentam ter aquela típica afetação de quem lida com artefactos históricos quando muita desta gente ainda está viva. “Pois… Mas Buena Vista Social Club há só um.” 

Andava tudo a tactear no escuro. Até Francis Falceto, o organizador da Éthiopiques, quando, ao quarto volume da série, augurava: “Incapaz de influenciar as modas, sozinho e sem herdeiros, este professo admirador de música tradicional lutou para fazer avançar a causa do Ethio Jazz não obstante o tipo de resistências contra si conjugado. O que faz deste CD um incunábulo, um documento único desprovido de futuro.” Mal sabia quanto se enganava. Nem Quinton conseguiria prever que uma década mais tarde viria a lançar a coletânea “New York – Addis – London” e as extraordinárias colaborações de Mulatu Astatke com os Heliocentrics e com a Either/Orchestra. Mas numa coisa inadvertidamente acertou: há aqui muito Ultra-Lounge. Nomeadamente nestes dois primeiros LP que Mulatu gravou em Nova Iorque com músicos locais, em 1966, quando não tinha passado em absoluto uma borracha por cima dos semitons das suas melodias nem posto em definitivo modos maior e menor numa gangorra. Entre vibrafonistas, então, o que fazia não era nem mais nem menos exótico que “Aloha, Amigo”, de Arthur Lyman, “4 na Bossa”, de Breno Sauer, ou “Vibes Galore”, de Louie Ramirez. Mas dava os primeiros passos numa caminhada que o levaria ao encontro do mundo de modo a descobrir o muito de único que consigo levava. Nunca mais parou.

[Mulatu Astatke em concerto: dia 11, Capitólio, Lisboa; dia 12, Theatro Circo, Braga]

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