Falávamos
há coisa de 20 anos, numa esplanada de Colónia, na Alemanha, vinha Quinton
Scott de deixar a Harmless e de fundar a Strut: “De certa forma, uma é a
continuação da outra,” dizia-me ele, sorvendo a espuma pintalgada de canela de
um cappuccino, no momento em que se
aventurava por conta própria. “Mas, de facto,” prosseguia, “quis pegar nas
coisas no ponto exato em que as tinha deixado. Pedi ao Pogo uma compilação de breaks [‘Block Party Breaks’, na Strut,
após ‘The Breaks’, na Harmless] e ao Russ Dewbury uma de música africana [‘Club
Africa’, na nova editora, a ocupar o lugar de ‘Africafunk’, na antiga]. Mas adorava
fazer qualquer coisa com o Tony Allen, por exemplo. Ou com o Mulatu – ninguém
sabe quem ele é, mas custa-me que ‘Africafunk’ tenha um tema dele e que ‘Club
Africa’ não.” Pergunto-lhe se está a par de uma coleção francesa chamada
Éthiopiques. “Sim, da Buda. Foi aí que o licenciámos. Acho incrível o que estão
a fazer, mas têm qualquer coisa de Ultra-Lounge [chancela da Capitol consagrada
ao easy listening]. Produzem uma
antologia do Mulatu e o nome dele nem vem na capa!” Além, acrescento eu, de que
aparentam ter aquela típica afetação de quem lida com artefactos históricos quando
muita desta gente ainda está viva. “Pois… Mas Buena Vista Social Club há só um.”
Andava tudo a tactear no escuro. Até Francis Falceto, o organizador da
Éthiopiques, quando, ao quarto volume da série, augurava: “Incapaz de
influenciar as modas, sozinho e sem herdeiros, este professo admirador de música
tradicional lutou para fazer avançar a causa do Ethio Jazz não obstante o tipo
de resistências contra si conjugado. O que faz deste CD um incunábulo, um documento
único desprovido de futuro.” Mal sabia quanto se enganava. Nem Quinton
conseguiria prever que uma década mais tarde viria a lançar a coletânea “New York
– Addis – London” e as extraordinárias colaborações de Mulatu Astatke com os Heliocentrics
e com a Either/Orchestra. Mas numa coisa inadvertidamente acertou: há aqui muito
Ultra-Lounge. Nomeadamente nestes dois primeiros LP que Mulatu gravou em Nova
Iorque com músicos locais, em 1966, quando não tinha passado em absoluto uma
borracha por cima dos semitons das suas melodias nem posto em definitivo modos
maior e menor numa gangorra. Entre vibrafonistas, então, o que fazia não era nem
mais nem menos exótico que “Aloha, Amigo”, de Arthur Lyman, “4 na Bossa”, de
Breno Sauer, ou “Vibes Galore”, de Louie Ramirez. Mas dava os primeiros passos
numa caminhada que o levaria ao encontro do mundo de modo a descobrir o muito
de único que consigo levava. Nunca mais parou.
[Mulatu Astatke em concerto: dia 11, Capitólio, Lisboa; dia 12, Theatro Circo, Braga]
Sem comentários:
Enviar um comentário