Sim, Byron
e Ortiz tocam efetivamente “Música Callada”, de Mompou – para ser exato, tocam a
quinta peça do seu primeiro caderno, uma daquelas obras feita à medida das
almofadinhas das patas dos gatos e em cuja interpretação não convém de todo
ignorar os versos de João da Cruz que lhe serviram de mote, e que dizem assim:
“A noite sossegada/ A par dos levantes do raiar da aurora/ A música calada/ A
solidão sonora/ A ceia que recreia e enamora.” Estranhíssima opção para um
dueto, como é óbvio. Mas a verdade é que Byron teve sempre uma enorme atração
pelo insólito, ainda que esta escolha não tenha sido sua – afinal, foi o cubano
que passou uns anos a estudar na Catalunha. Aliás, logo a abrir este disco
escuta-se ‘Tete’s Blues’, de Ortiz, e o que logo vem à memória é a Barcelona de
Tete Montoliu bem como as gravações em que essa prodigiosa figura fazia ao teclado
o que Gaudí tinha feito em edifícios: estruturas sensíveis, sinuosas,
insinuantes, sobrecarregadas de enfeites e ao mesmo tempo imunes à lei da
gravidade.
Mompou ter-se-á referido a um efeito semelhante, precisamente a
propósito das suas miniaturas para piano, quando falou acerca de uma música que
tinha “como missão penetrar nos pontos mais profundos da nossa alma e nas
regiões mais secretas do nosso espírito” mesmo que não fosse impelida a
deslocar-se “mais que uns milímetros no espaço”. Não há melhor definição para
música de câmara. E, aqui, é essa ideia que infiltra o pensamento de Byron e
Ortiz, seja em ‘Black and Tan Fantasy’ (Duke Ellington), seja na transcrição
para clarinete do segundo andamento da “Partita para Violino Nº 1”, em Si
menor, de Bach, seja em ‘Dolphy’s Dance’ (Geri Allen), seja em ‘Delphian
Nuptials’, de Byron, elegantíssimo tema que se diria comungar em simultâneo do
“Prelúdio e Fuga” em Dó maior com que Bach, de novo, iniciava “O Cravo Bem
Temperado” e de “Danseuses de Delphes”, um prelúdio de Debussy. Isto, além de
uma série de tangentes atonais em que Byron e Ortiz despertam para a vida como
o sonâmbulo que acorda em sobressalto à beira de um precipício. Aí, nunca mais
voltam à Terra.
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