Tinha
Lovano uns 18-19 anos, nos seus tempos de estudante, em Berklee, não havia
rádio universitária que não passasse duas canções chamadas ‘Tapestry’: uma, a de
Carole King, falava de uma tapeçaria que se podia “ver e sentir” mas que, ainda
assim, como uma mortalha, permanecia “impossível de agarrar”; a outra, a de Don
McLean, repetia mais ou menos o que Rilke havia escrito em “Cartas a um Jovem
Poeta”, que “o destino é como um tecido maravilhoso, amplo, no qual cada fio é
conduzido por dedos de uma delicadeza infinita, posto ao lado de outro fio” e,
por fim, “ligado a centenas de outros que o sustentam”. Ai, o que esta gente
não teria dado para ficar de molho no Ganges a ler a poesia de Rabindranath
Tagore: “A mesma torrente de vida/ Que dia e noite percorre as minhas veias/
Também percorre o mundo/ E dança em ritmo perfeito/ É a mesma vida que o fluxo
e refluxo do mar embalam/ O berço do nascimento e da morte.” Lovano não foi ao
Ganges, mas pelos vistos chega-lhe o Hudson e é daí que agora apresenta esta
“tapeçaria musical” pronta a entrelaçar “atmosferas e estados de espírito” e
temas de “natureza serena”. Como concluiu Borges, “a história universal talvez seja
a história de umas tantas metáforas”.
Então, numa leitura praticamente
ontológica, não é de estranhar que o disco de Lovano que menos deve à tradição do
jazz seja o mesmo que mais se dedica a refletir sobre a origem das coisas,
embora o seu autor, nos materiais promocionais da ECM, venha falar de uma
gravação que não só indica “onde estou” como também “onde estive e onde poderei
vir a estar” – devia ter na capa uma representação de Jano, o deus grego do
tempo, da mudança e da transição, com uma face virada para o passado e outra
para o futuro. Talvez por isso tanto se detetem aqui as marcas da cerimónia: em
lentas procissões guiadas por gongos, em longos sopros que se diriam durar o
tempo que demora um pau de incenso a arder, em suaves acordes que agitam as
doze notas da escala cromática como que se fossem as doze pétalas do chakra do coração. Artificioso para uns,
mas absolutamente adequado para Joe Lovano, Marilyn Crispell e Carmen Castaldi,
trio que sabe que há muitas maneiras de se chegar à fonte.
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