Num
“estudo estratigráfico”, dizia-me há coisa de 20 anos Steve Barrow, coautor de
“The Rough Guide to Reggae”, há, ali, algures entre finais de 60 e meados de
70, um “conjunto de rochas sedimentares com a marca de Bunny Lee”. Falava da
História da música, claro. E, se bem me lembro, para tornar a expressão do seu
pensamento mais viva, andava à cata de figuras de estilo que de certo modo se
equivalessem à linguagem do produtor jamaicano nesse período: em partes iguais
lúcida e elusiva, espessa e espectral, francamente alusiva e profundamente
autorreferencial. No fundo, Barrow tentava retratar um ciclo algo axiomático no
reggae, quando Lee, coadjuvado por
King Tubby e Prince Jammy, e sugando-o até ao tutano, estimulou uma dramática
reconfiguração dos seus constituintes elementares, libertando-o de substâncias espúrias,
reduzindo-lhe as características formais ao mínimo indispensável mas tornando-o
ainda mais paradoxal: uma iteração ao mesmo tempo mais estática e elástica,
mais estóica e instável. Por isso, estranha-se que Bunny Lee tenha demorado
tanto a entrar na esfera de ação da Soul Jazz – daquelas em atividade, porventura
a editora mais empenhada em proceder ao levantamento geológico do reggae nos últimos anos.
Poderá em parte
dever-se este atraso àquela espécie de efeito Robinson Crusoé que por vezes
aflige o principal responsável pelo selo britânico, Stuart Baker, alguém que
nas suas expedições dá mostras de ansiar pelo momento em que numa ilha deserta,
como a personagem de Daniel Defoe, encontra “a pegada recente de um pé
descalço” na areia. Mas, como é óbvio, nesse particular, o espólio de Bunny Lee
foi já mais palmilhado que a Praia da Rocha em agosto, e muito do que de mais
importante criou em laboratório tem sido esta década relançado em sucessivas compilações.
Ainda assim, de maneira espantosa, esta antologia mantém a integridade sem ter
de repetir nenhum dos temas das outras – a Soul Jazz não o diz, mas o material
aqui coligido foi gravado entre 1973 e 1978 e colocado no mercado pelas
chancelas da Attack (Johnny Clarke, Jackie Edwards, Mighty Diamonds, Prince
Jazzbo, Shorty The President), Justice (Jah Stitch) e Third World (Tommy
McCook, Gene Rondo, Jah Youth, Uniques, Winston Wright, Dillinger). Não admira
que Bunny Lee tivesse sido apelidado de “fantasma que assombra os estúdios”! Este
é o seu Boo!
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