Não tendo deixado obra para violino e piano, este
Chopin que aqui está saiu da pena de Nathan Milstein – num daqueles seus
famosos arranjos em que, mais do que, apenas, transcrever, o virtuoso parecia
efetivamente traduzir. No fundo, será uma forma de Blechacz e Kim aludirem ao
tipo de sangue que percorre estes sistemas circulatórios. Mas, para colocar
França e Polónia em contacto, podiam ter optado antes pelo tecido conjuntivo da
poesia – Baudelaire, por exemplo, é um nome que se diria ter inspirado Fauré,
Debussy e Szymanowski em partes iguais. Aliás, do primeiro, escuta-se a “Sonata
para Violino e Piano”, em Lá maior, Op. 13, e o que logo vem à memória são uns versos
de Jean de la Ville de Mirmont que Fauré viria a pôr em música antes de morrer,
e que diziam que “são loucos os meus sonhos e é infinito o mar”, antes de
concluir: “Pois tenho em mim grandes partidas por realizar.” Evocativas linhas,
que não poderiam ter existido sem o autor de “As Flores do Mal”, que escreveu:
“Arrasta-me por vezes como um mar, a música/ Rumo à minha estrela/ Sob o éter
mais vasto ou um teto de bruma/ Eu levanto a vela.”
Aliás, era Baudelaire que
Fauré tinha na mesinha-de-cabeceira quando compôs esta surpreendente sonata, em
1876, obra em que um dos seus mentores, Saint-Saëns, numa crítica interesseira,
identificou “audácias inesperadas”. Blechacz e Kim reconhecem-nas, claro, mas
preferem tocar a peça como ela é: o ponto para o qual dão mostras de convergir
subitamente todas as incertezas do seu tempo e nenhuma das estratégias para as
encarar de modo capaz. Daí, porventura, esta elegância algo magoada, este
lirismo algo reticente, que, com a devida distância, lembra a sépia de Pierre
Amoyal e Anne Queffélec (Erato, 1979), mais do que a emoção a preto e branco de
Grumiaux e Crossley. Nesse particular, quando se escuta o que faz Kim na
“Sonata para Violino e Piano”, em Sol menor, de Debussy, pensa-se noutra sul-coreana
e nesse ambarado disco que Kyung Wha Chung gravou com Radu Lupu (Decca, 1980). Bom,
e em mais um verso de Baudelaire que Debussy musicou (“Geme o violino como um
peito que se aflige”) e que tão bem se aplica ao Op. 9 de Szymanowski,
postulado da sua visão do amor: a coisa mais conveniente no momento mais
inoportuno. No fim de contas, princípio a que nem Fauré, nem Debussy puderam
igualmente resistir.
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