Observa-se com atenção a capa do CD e o que logo
salta à memória é a voz de Marc Bolan, a cantar: “Walking ‘round at night/ You,
a tie-dye statuette/
'Cos you dance
that midnight
madness/ Oh, yeah, she's a Savage Beethoven”. Oops! Compositor errado. Mas o que conta
é a intenção e, aqui, Isabelle Faust, para além de usar aquela blusa de tecido
estampado em tie-dye propriamente
dito, pôs mesmo Bach de molho, torcido e retorcido numa tina de corante. Como é
óbvio, com outro compositor em mãos, e passe o trocadilho, a decisão da
violinista faria correr muita tinta. Mas, no caso, a elasticidade deste
material foi há muito testada, além de que na sua origem está já presente o
princípio da reutilização – a partir da sua própria obra, ou não, Bach não foi
nada estranho à prática da reciclagem. Essa será, até, uma das principais
razões pelas quais nos chegaram tão poucas obras concertantes, suas, para
violino: os concertos em Lá menor (BWV 1041) e em Mi maior (BWV 1042) e o
concerto duplo em Ré menor (BWV 1043). Mas, hoje, através de análise caligráfica,
de métodos de datação radiométrica e de perícia grafotécnica, há indícios de
que terá usado peças originalmente escritas para violino como modelo para subsequentes
concertos para teclado.
Trata-se de uma conjetura aplicada, por exemplo, ao famosíssimo
“Concerto Nº 5 em Fá menor” (BWV 1056), que Faust e a Akademie für Alte Musik
Berlin transformam em “Concerto para Violino em Sol menor” (BWV 1056R). Daí,
então, esta ideia de pôr Faust a fazer de Cristo Redentor, pronta a abarcar –
embora abraçar funcione realmente melhor – um repertório muito mais vasto do
que aquele que lhe seria à partida imputável: “Quisemos atribuir papéis
diferentes ao violino, abrindo o mais possível a paleta sonora e alargando a
variedade de formas – da sonata em trio ao concerto duplo passando pela
‘Abertura’ [da ‘Suíte Orquestral Nº 2’] e pela ‘Sinfonia’ [BWV 1045]”, diz em
nota. É algo com que está familiarizada – há coisa de 20 anos, participou numa
ação semelhante com a Bach-Collegium Stuttgart e Helmuth Rilling, num CD que se
diria inspirado pela cirurgia plástica: “Reconstructed Violin Concertos”. Na
altura, o resultado foi efetivamente prostético. Agora, não se dá com elementos
espúrios: Faust e Bach dançam num corpo só, ainda que, parafraseando a canção,
ele seja um pouco selvagem.
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