No
cinema, há um famoso efeito que remonta a 1958: o contra-zoom ou travelling
compensado, como se quiser, em que, através de objetivas de foco variável, o
movimento da câmara é basicamente contrário ao movimento do zoom. Foi criado para transmitir as
sensações de vertigem do protagonista de “Vertigo – A Mulher que Viveu Duas
Vezes”, num plano subjetivo, picado, em que, como é óbvio, vemos o chão a fugir
de nós e simultaneamente a vir até nós. Transferindo a distorção do espaço para
o tempo, será mais ao menos o que face à discografia de John Coltrane decorre
da audição de uma antologia como esta, em que fica tudo mais anacrónico mas
também mais sincrónico. Porque o que aqui temos – por ordem cronológica e em
novas masterizações – não é nada mais, nada menos do que o conjunto das sessões
de estúdio lideradas pelo saxofonista ao longo de 1958, de que resultou uma
dezena de álbuns editados entre 1958 e 1966: no todo ou em parte, “Soultrane”,
“Lush Life”, “Settin’ the Pace”, “Standard Coltrane”, “Kenny Burrell & John
Coltrane”, “Stardust”, “The Believer”, “Black Pearls”, “Bahia” e, por fim, “The
Last Trane”.
Compreende-se o impulso. Principalmente após a Impulse! ter há coisa
de um ano posto ao microscópio uma sessão de gravação perdida – “Both Directions
at Once: The Lost Album”, de 1963 – que veio a entrar nas tabelas de vendas. Na
altura, Ravi Coltrane dizia ao Expresso: “O meu pai foi imensamente prolífico. O
que não quer dizer que, em retrospetiva, se prestarmos bem atenção a cada um
dos seus discos, eles não nos pareçam absolutamente necessários.” Neste
contexto, teremos é que prestar bem atenção ao determinante possessivo: pois
muitos destes discos são mais discos da Prestige do que propriamente discos de
Coltrane (que em 1959 tinha já assinado contrato com a Atlantic). Depois de
“Fearless Leader” (6 CD, 2006), “Interplay” (5 CD, 2007) e “Side Steps” (5 CD,
2009), dir-se-ia que o retrato do período – no fundo, o culminar da fase em que,
nos seus solos mais extensivos, andava de porta-paletes a empilhar arpejos à
velocidade da luz – não poderia ficar mais nítido. Mas pode – ainda que
Coltrane, pela sua força e instantaneidade, não deixe de produzir vertigens.
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