Começa o “Trio Elegíaco Nº1” (1892), com violino e
violoncelo em corda solta, e é nos ondulantes campos de trigo e centeio da
estepe que se pensa, nomeadamente os que cercam a herdade de Ivanovka, onde
Rachmaninoff veraneava. De um andamento apenas (em Sol menor), marca-o a
mesmice de um motivo melódico de quatro notas, porventura herdado de
Tchaikovsky, cuja estaticidade não implicava forçosamente imobilidade de
humores, como bem se sabe. Seja como for, aqui, até a inércia é romantizada,
com fogachos folclóricos que recordam uma frase do compositor: “Mais do que os
povos de outras nacionalidades, os russos sentem uma profunda ligação à terra,
derivada de uma predisposição natural para a quietude, para a contemplação e,
porventura, de uma eremítica demanda pela solidão.” Mesmo no fim da peça, após
a recapitulação, ali, aos onze minutos (e é verdade que o Wanderer manteve o pé
no acelerador neste CD), quando a mão esquerda do pianista é despachada para o
abismo, é como se no campo dobrassem os sinos por quem morre longe da terra em
que nasceu, espécie de funeral sem missa de corpo presente.
Que terá sido precisamente
o tipo de onda de choque que Rachmaninoff sentiu ao lhe chegarem as notícias do
falecimento de Tchaikovsky em Paris, em novembro de 1893, e que imediatamente
traduziu no lutuoso ostinato de
linearidade descendente com que, na hora, iniciou o “Trio Elegíaco Nº 2”,
escrito em reação ao desamparo e, até, à descrença – pois a verdade é que tinha
20 anos e na sua mente confundia-se o desaparecimento dessa sua pretérita influência
com o da sua irmã, Yelena, que na adolescência havia sido a primeira a
mostrar-lhe obras de Tchaikovsky. Como seria de esperar, possui como modelo o
próprio “Trio em Lá menor” com que esse seu insigne predecessor havia por sua
vez homenageado Nikolai Rubinstein – de modo flagrante na melodia do segundo
andamento – e graças à acentuada inclinação sinfónica da peça chega a mitigar o
desconsolo (rondam uma e outra os 45 minutos). Mal conclui, a ideia que fica é
que o Trio Wanderer lamenta acima de tudo a poesia que do mundo se perdeu
quando Rachmaninoff, pouco depois, e para sempre, renunciou à música de câmara
– e não é para menos.
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