20 de julho de 2019

Sugestões de Verão


João Donato “A Bossa Muito Moderna de Donato e Seu Trio” + “Muito À Vontade” (Aquarela do Brasil, re. 2019)
Diziam que andava sempre nas nuvens. E tinham razão: afinal, era filho de um major da Força Aérea. Mas para o que agora interessa enalteçam-se as pontes musicais que precocemente criou entre Brasil e exterior quando emigrou para os EUA, em finais de 50, tornando a música nacional do seu país de certo modo mais americana do que pretendia ser. Em 1962, numa ida ao Rio de Janeiro para matar saudades, gravou de uma assentada estes discos com Tião Neto, Milton Banana e Amaury Rodrigues, retratando a viagem que havia feito para norte com escala na Placa do Caribe. Aliás, imagina-se o seu sorriso matreiro ao tocar em ritmo antilhano ‘Só Danço Samba’ (de Jobim e Vinicius), cuja letra dizia o seguinte: “Já dancei o twist até demais/ Mas não sei/ Me cansei/ Do calipso ao cha-cha-chá”. Pois, ele não.

Azymuth “Águia Não Come Mosca” (Mr Bongo, re. 2019)
O seu primeiro sucesso, logo na estreia, em 1975, tiveram-no quando ‘Linha do Horizonte’ surgiu colada às conquistas de um piloto de avião pinga-amor na banda sonora da novela “Cuca Legal”. Não admira que este belo LP de 1977 arrancasse com ‘Voo Sobre o Horizonte’. Em 1979, “Light as a Feather” viria a sair na Milestone e nem o jazz elétrico, nem os Azymuth tornariam a aterrar.

Maria Farantouri, Cihan Türkoglu “Beyond The Borders” (ECM, 2019)
O saxofonista inglês Evan Parker disse um dia que os improvisadores unificaram a Europa muito antes dos políticos. Já Maria Farantouri, por sua vez, acrescentaria que antes ainda dos improvisadores já por cá havia gente como ela. Aqui, às voltas com melodias levantinas, com turcos, arménios e uma alemã, faz aquilo com que tanta gente sonha o ano inteiro: ultrapassar fronteiras.

Claude Fontaine “Claude Fontaine” (Innovative Leisure, 2019)
Claude Fontaine perdeu-se de amores pelo reggae e pela bossa nova e ficou com um desejo com o qual teria de ter muito cuidado: criar uma daquelas pérolas que se “encontram no fundo de um caixote com o refugo de uma loja”. Portanto, ficará por aí. Pelo menos até ao dia em que futuros colecionadores percebam que teve a seu lado Tony Chin e Airto Moreira e pôs um pé na eternidade.

Franz Koglmann Septet “Fruits of Solitude” (Hat Hut, 2019)
Há um poema de Mario Benedetti (“Pausa de Agosto”) que sugere que verão e solidão servem para gerar presenças. No caso de Koglmann dir-se-ia que a assombração é múltipla – ora está com o tema de Ellington que dizia “In my solitude/ You haunt me”, ora com aquele “Um cantinho e um violão”, de Jobim, que produzia a aparição do Corcovado. Canções de amor para cidades vazias, ambas.

Gabriele Mitelli, Rob Mazurek “Star Splitter” (Clean Feed, 2019)
Mais ou menos da altura em que Mazurek foi viver para o Brasil, há uma canção de Paula Toller que diz assim: “Virando a noite/ Perdendo o senso/ Derretendo satélites/ Voando à noite/ Ouvindo estrelas/ Derretendo satélites”. Não admira que sirva de descrição aproximada para um CD que tem escrito na contracapa Star Gaze Night. Mitelli, Mazurek, o medo e o mistério do céu noturno.

Gianluigi Trovesi/Gianni Coscia “La Misteriosa Musica Della Regina Loana” (ECM, 2019)
Como é óbvio, o ponto de partida, aqui, é “A Misteriosa Chama da Rainha Loana”, de Umberto Eco, essa ode à intertextualidade de que a memória por vezes se compõe, mais alimentada a livros e a vinil do que a madalenas. Como Yambo, na novela, Trovesi e Coscia desmagnetizam as setas do tempo, que ao jeito das agulhas de uma bússola desnorteada logo endoidecem, parando ora em ‘Moonlight Serenade’ (Miller), ora em “Nas Brumas” (Janácek), com passagens por “As Time Goes By” (Hupfeld), “Basin Street Blues” (Williams), ‘Bel Ami’ ou ‘Bella Ciao’. Sendo este o assunto, lembram a capa de “Out to Lunch!”, de Dolphy, com a tal fotografia em que pendurado na porta de uma loja fechada aparece o típico relógio “Voltamos Às” com sete ponteiros a marcar sete possibilidades. O Nino Rota de “Amarcord” sorriu.

“Terpsichore – Apothéose de la Danse Baroque” (Alia Vox, 2019)
Terpsícore é na mitologia grega a musa “que se deleita na dança”. De tal forma, até, que, em “Ritmo Louco” (1936), quando perguntam a Lucky (Fred Astaire) por que razão quer aprender a dançar, ele responde: “Para namoriscar com Terpsícore.” Duzentos anos antes, nos salões coreografados pela música de J-F Rebel e Telemann, já saracoteavam as cortes e noutra coisa não se pensava.

Liszt: Aux Cyprès de la Villa D’Este (Music on CD, re. 2019)
Eram algumas das suas “relações bem reais, ainda que indefinidas” com os sítios por onde passou, suscetíveis de despertar formas de comunicação “tão inexplicáveis quão inegáveis”, como Liszt as definiu. Entre elas, a de que poderia deixar-se ficar à sombra dos ciprestes da Villa d’Este. Há 35 anos, neste CD, Leeuw conduziu uma autópsia ao mórbido prazer que a evocação traz ao espírito, complementando-a com a não menos lúgubre “La Notte”, inspirada tanto na estátua de Miguel Ângelo quanto no epigrama com que o escultor a descreveu: “Caro me é o sono// Por isso não me perturbem/ Falem baixo.” Mas Leeuw toca como se tivesse em mente um poema de Neruda: “Porém, porque peço silêncio/ Não creiam que vá morrer/ Bem pelo contrário/ Acontece que vou viver.” Um belo apontamento para noites de verão.

Skalkottas: Piano Works (BIS, 2019)
Embaixadora da obra de Nikos Skalkottas (1904-49), que colocou no mercado entre 1998 e 2008, a BIS patrocina agora as primeiras gravações de “Suíte Grega” e “Os Gnomos”, uma composta em Berlim com o regime na Grécia preso por um fio, outra escrita em Atenas com a Alemanha a um passo do abismo. Skalkottas quis redimir o melhor de ambas, numa espécie de prolongado idílio estival.

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