Dir-se-ia
um requiem situado em território
aporético, este, que Wolfgang Rihm batizou “Et Lux”. E, não obstante não
recorrer, agora, às palavras do poeta, como tinha feito em “Deus Passus”, um
que parece encontrar abrigo numa frase de Celan: “Fala verdade quem diz sombra”.
O compositor sintetiza-o assim: “Nesta obra podem ouvir-se excertos da Missa de
Requiem católica; no entanto, não estão nem intactos nem aparecem na ordem
certa. Surgem, antes, como componentes de um todo de que se vai tomando
consciência de modo progressivo. A reincidência em grupos específicos de
palavras é significativa. Talvez dessa maneira, circular, reflexiva, possa o
seu sentido, consolador e, contudo, tão perturbador, tornar-se mais percetível.”
O caráter elíptico de “Et Lux” (para quarteto vocal e quarteto de cordas, mas,
aqui, com as vozes dobradas) logo desponta em “Te decet hymnus, [Deus], [in]
Sion, [et] tibi reddetur votum [in] Jerusalem” ou “Requiem [aeternam] dona eis,
[Domine]”, em que se omitem os vocábulos entre parênteses retos. A partir daí,
prossegue de forma mais lacunar e fragmentária, até dispensar da maior parte do
texto. O procedimento lembra uma declaração de Rihm a propósito de outra peça
em que recorria a ficção sacra: “Se há algum elemento religioso na minha música
é o da veneração por aquilo que permanecerá inominado”. “Et Lux” é quase um requiem hermético. Resiste ao poder
coercivo da luz que o nomeia e, através da sua própria materialidade, dissipa-se
pelas narrativas da memória e dos sentidos. O seu endereço final é a sombra que
habita nos que o escutam, os que sabem que nunca se morreu tanto e por tão
pouco.
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