Intitulado
com mais receio do que rigor, remonta ao alvor da etnomusicologia um notável LP
da Folkways – precisamente, “Folk Music of Ethiopia” – que, na realidade, e
porventura contagiado pelo que se lia no remoto “Périplo do Mar Vermelho”, permitia
que se caracterizasse a costa eritreia como uma espécie de retiro arcádico do pós-guerra
– na capa, um tocador de lira in
naturabilus dizia tudo. Só que, entretanto, muito mudou. E depois de uma
experiência confederada, que Selassié manipulou a bel-prazer, seguiram-se, de
1961 a 1991, trinta anos de luta armada entre a Eritreia e a Etiópia. Os
músicos arregimentaram-se, e sofreram as consequências, com Bereket Mengisteab
alistando-se na Frente pela Libertação da Eritreia ou com Yemane Ghebremichael indo
parar à prisão. Agora, e ironicamente, foi quando Isaias Afewerki se preparava
para assinalar o jubileu de prata da independência, comemorado há 15 dias, que denúncias
do Observatório Internacional de Direitos Humanos e dos Repórteres sem
Fronteiras vieram chamar a atenção para a miséria que hoje se vive na Eritreia
– e que emigrantes eritreus foram morrer ao Mediterrâneo. Gebremariam, que prefere
amar a odiar, teve outra sorte: conseguiu asilo nos EUA e é daí que provém a
reedição em CD desta sua única cassete, lançada em Asmara, em 2007. São temas
marcados por aquele ritmo descompassado que Francis Falceto definiu como “passo
de camelo”, em redor do qual krar e wata se enrolam de modo barroco, e em
que duas vozes – grave e segura de si, a do homem, aguda e timorata, a da
virgem – fazem o mais velho dueto da história da música.
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