10 de junho de 2016

Awalom Gebremariam “Desdes” (Awesome Tapes From Africa, 2016)



Intitulado com mais receio do que rigor, remonta ao alvor da etnomusicologia um notável LP da Folkways – precisamente, “Folk Music of Ethiopia” – que, na realidade, e porventura contagiado pelo que se lia no remoto “Périplo do Mar Vermelho”, permitia que se caracterizasse a costa eritreia como uma espécie de retiro arcádico do pós-guerra – na capa, um tocador de lira in naturabilus dizia tudo. Só que, entretanto, muito mudou. E depois de uma experiência confederada, que Selassié manipulou a bel-prazer, seguiram-se, de 1961 a 1991, trinta anos de luta armada entre a Eritreia e a Etiópia. Os músicos arregimentaram-se, e sofreram as consequências, com Bereket Mengisteab alistando-se na Frente pela Libertação da Eritreia ou com Yemane Ghebremichael indo parar à prisão. Agora, e ironicamente, foi quando Isaias Afewerki se preparava para assinalar o jubileu de prata da independência, comemorado há 15 dias, que denúncias do Observatório Internacional de Direitos Humanos e dos Repórteres sem Fronteiras vieram chamar a atenção para a miséria que hoje se vive na Eritreia – e que emigrantes eritreus foram morrer ao Mediterrâneo. Gebremariam, que prefere amar a odiar, teve outra sorte: conseguiu asilo nos EUA e é daí que provém a reedição em CD desta sua única cassete, lançada em Asmara, em 2007. São temas marcados por aquele ritmo descompassado que Francis Falceto definiu como “passo de camelo”, em redor do qual krar e wata se enrolam de modo barroco, e em que duas vozes – grave e segura de si, a do homem, aguda e timorata, a da virgem – fazem o mais velho dueto da história da música.

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