Invocava a música como poucos,
Kenneth Patchen. Na sua escrita, frequentemente paroxística, era uma forma
súbita e nada pacífica de dar voz ao corpo, ao sangue, à escuridão, à guerra e
ao silêncio. Foi-se deixando atrair pelo jazz ao longo dos anos. E, aí, não
admira que lhe retribuísse a atenção Peter Brötzmann, porventura o mais
intransigente, intenso, intimidante, visceral, vindicativo e viperino entre os
seus praticantes, capaz de tornar palpáveis a cada sopro as coisas imprevisíveis
e vólucres da vida. Dedicou-lhe “14 Love Poems”, em 1984, o mais belo dos seus
discos a solo, e, duas décadas depois, à frente do seu Tentet, “Be Music,
Night”, com o ator Mike Pearson lendo “The Collected Poems”. Agora, que tem a
seu lado Heather Leigh, trá-lo de novo à lembrança através de um título que
remete para “I’d Want Her Eyes to Fill with Wonder”, o poema de Patchen em que
se lê: “Quereria que os seus olhos se enchessem de espanto/ Que os seus lábios
se entreabrissem/ Que o seu peito se arrepiasse ao meu toque/ E, oh, dir-lhe-ia
que a amava/ Que o mundo começa e acaba onde ela está.”
Acerca da inusitada
parceria, numa entrevista à “The New Noise”, Leigh faz eco disto mesmo,
afirmando: “Vimos de sítios diferentes: ele é um homem, eu sou uma mulher, ele
tem quase o dobro da minha idade. No entanto, temos maneiras muito semelhantes
de encarar os nossos instrumentos. Mas o que fazemos não é free jazz. É uma música nova, sensual e romântica, cheia de
mistérios que estamos empenhados em desvendar. Tem tudo a ver com sexo.” Toca
Brötzmann, o tarogato, o saxofone
tenor ou o clarinete baixo, e as notas que reproduz vão ficando com o contexto
alterado à medida que à sua volta, manipulando as alavancas e os pedais da sua
guitarra pedal steel, Leigh o projeta
em paisagens tão virtuais quanto as que, em cinema, o criador de efeitos
especiais gera sobre aquelas telas verdes e azuis. Juntos, recordam outro verso
de Patchen: “Temos a nossa música e isso chega-nos para conquistar o mundo.”
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