Na capa desta reedição (o original
é de 1997 e a gravação de 1994) destaca-se um pormenor de “A Liberdade Guiando
o Povo”, de Delacroix, porventura para que melhor se veja o barrete frígio vermelho,
símbolo da Revolução Francesa e dessoutros acontecimentos a que se alude nas
lombadas interiores do CD através da reprodução de “A Festa da Unidade e
Indivisibilidade da República, de 10 de agosto de 1793”, de Pierre-Antoine
Demachy, famoso por retratar títulos da tirania feudal atirados às chamas na
atual Praça da Concórdia, em Paris (no mesmíssimo agosto em que, aí, a poucos
metros da guilhotina que decapitou Maria Antonieta, Madame Roland ou Olympe de
Gouges, e sem atentar à ironia, se edificou a feminina Estátua da Liberdade). Trata-se
de figuras escolhidas pela Alia Vox para representar o que, na caracterização
desta “Sinfonia Nº 3 em Mi bemol maior”, Savall definiu como a “explosão de um
drama interior” e a “sublimação de ideais mitológicos e revolucionários”. Refere-se
à potência emancipadora da própria Eroica,
que, na história da música, e como Romain Rolland dizia, foi “como a caravela
de Colombo, a primeira a chegar a um continente desconhecido”, e àquilo que tanto
a associa à precedente “As Criaturas de Prometeu” quanto à evocação de Napoleão
que a seu pretexto normalmente se faz. Isto, porque Beethoven considerou
dedicá-la ao futuro imperador numa altura em que se compunham odes jacobinas a comparar
Napoleão a Prometeu sem se saber o que lhe reservava o destino. A intenção, como
é óbvio, é a de chamar a atenção para o verdadeiro assunto da sinfonia: a
libertação dos grilhões do passado e daquela conjugação de medos que impede que
o mundo se chegue a transformar. Como se sabe, recorrendo a instrumentos de
época, Savall estava também a falar para dentro, sugerindo que é possível
abraçar o antigo e simultaneamente rejeitar o arcaico. Em termos de tempi, timbres, cor ou conteúdo
harmónico, uma das mais estranhas e felizes interpretações da obra de que há
memória.
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