18 de junho de 2016

Barry Guy "The Blue Shroud" (Intakt, 2016)



Contrariamente a um acheiropoieta, este sudário de que fala Barry Guy é farto em impressões digitais. Pelo menos na perspetiva que o vincula à cortina azul que, a 5 de fevereiro de 2003, durante uma conferência de imprensa de Colin Powell junto à sala de reuniões do Conselho de Segurança das Nações Unidas, cobria a famosa tapeçaria que reproduz “Guernica”. Segundo Guy, a imagem teria gerado “uma mensagem demasiado literal acerca dos horrores da guerra”, pelo que “foi necessário saneá-la”. Calcula-se que tenham sido as equipas televisivas a solicitar a colocação de um pano de fundo neutro no local a fim de atenuar a poluição visual das linhas de Picasso nos respetivos enquadramentos, coisa que, por sinal, nem era a primeira vez que acontecia, mas, seja como for, trata-se de um contexto decisivo para a compreensão deste “The Blue Shroud”. Até porque, ao longo dos seus 70 minutos, além de se cantarem versos de Kerry Hardie que enumeram símbolos de “Guernica” (o guerreiro caído com a mão esquerda estigmatizada, a mãe lamuriante com o filho morto nos braços, a pomba, etc.), escutam-se referências a “armas de destruição maciça” e à “Resolução 1441”. Aliás, a terminar, Savina Yannatou repete “Resolução 1441” em inglês, espanhol e português, o que remete para a cimeira das Lajes de 16 de março de 2003, quando Bush, Blair, Aznar e Barroso explicaram que “ou o regime iraquiano se desarma por iniciativa própria ou será desarmado à força.” Nesse instante quase se disputa esta espécie de damnatio memoriae que caracteriza a peça. Mas há outro paralelismo com “Guernica”, quando se evocam elementos do cristianismo vindos da história da música – das “Sonatas do Rosário”, de Biber, à “Missa em Si menor”, de Bach. É então que se percebe que, tal como a de Picasso, esta obra – executada por catorze intérpretes de exceção, e onde se destacam Michel Godard, Agustí Fernández, Ben Dwyer, Maya Homburguer e Michael Niesemann – se destina aos tiranos que um dia pensaram nisto, que Éluard, em “A Vitória de Guernica”, assim resumiu: “A vossa morte vai servir de exemplo.”

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