A propósito das Presidenciais
norte-americanas, muito se tem falado da Estátua da Liberdade. Mas, inexplicavelmente,
e quiçá pela imediata associação às eleições de 2008, quando a mesmíssima
canção, num vídeo produzido pelo grupo de pressão Progressive Future, serviu
para potenciar anúncios pró-Obama, não voltou a ser notícia ‘American Tune’, de
Paul Simon, aquela balada em que o narrador é um emigrante entregue à sua
sorte, resignado, confuso, esquecido, “cansado até ao osso”, capaz de hospedar
uma culpa qualquer saída do discurso do “viver acima das possibilidades” e de,
em simultâneo, cantar “E sonhei que morria/ E sonhei que, aos céus, a minha
alma ascendia// Sonhei que estava a voar/ E que lá do alto via/ A Estátua da
Liberdade/ A fazer-se ao mar”. Curiosamente, neste álbum, quem a relembra é
Allen Toussaint, compositor, produtor e pianista, um dos artífices da
modernidade mestiça em Nova Orleães e, como o emigrante de Simon – no caso, por
via da força destrutiva do furacão Katrina –, também ele instruído na arte de
recuperar de adversidades. Nesse capítulo, como é costume dizer-se, não há
maior do que a morte, mas Toussaint, que faleceu em novembro passado, em
digressão, vítima de enfarte do miocárdio, munido de uma simplicidade e
insaciedade praticamente evangélicas, até essa dá mostras de desafiar por
intermédio de um disco que, em rigor, terá tanto de póstumo quanto de póstero. Além
de Simon, Toussaint toca Fats Waller, Professor Longhair, Billy Strayhorn, Duke
Ellington, Louis Moreau Gottschalk, Earl Hines, Bill Evans, e só ele para
desviar ‘Waltz for Debby’ da cadência da valsa. Tudo gente que sabia que, antes
de ser cultural e, muito menos, nacional, a música é um fenómeno pessoal. Isto
é, que a grande “canção americana” é aquela não exclui nada nem ninguém.
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