Em ‘The End of the World’, logo a abrir, pode
ouvir-se: “Rio-me entre as nuvens/ E o choro delas chama-se chuva/ É o fim do
mundo/ É lindo”. Em ‘Autumn Song’, mais adiante, “caem pétalas de rosas, tão
suaves e fragrantes pelo prado”, enquanto em “For Jeanne Lee” é a música “que
pinga o chão”. Separadas no alinhamento por uma dúzia de temas, há uma
afirmação (“A maior das revolucionárias chama-se rosa”) e um par de
interrogações (“Se os poetas fossem rosas? Se as rosas fossem poetas?”) que se
relacionam entre si e se cruzam com muitas coisas mais. Em ‘The Death of Death’
o condutor da ação dá com um “diabo de cabeça enterrada na areia, sorriso
arreganhado e pés mergulhados em petróleo” para, depois, em ‘Mahalia’, se ver “cercado
por anjos, altos como árvores”. Como de costume na lírica de William Parker, o
que aqui se evoca é a transição e a transcendência ou, por outras palavras, a
importância cultural do rito de passagem.
No caso, vem tudo à boleia de um
projeto que o contrabaixista persegue desde 1994: a criação de um musical (“Stan’s
Hat Flapping in the Wind”, precisamente) para o qual compôs já 60 canções e do
qual, agora, num recital de piano e voz em que intervém exclusivamente como
compositor, faz derivar 19. A sinopse: Stanley Greybeard, ameríndio, tem uma
iluminação; é-lhe declarado o fim do mundo e anunciado que só o som o virá a redimir;
acompanhado da mulher, Marilyn, judia, deverá partir em busca do ponto de
origem da música sacra, feita de “amor, piedade e compaixão”; mas antes
encontrará “anjos, demónios, montanhas que dançam, árvores que falam, flores
que andam” e, fundamentalmente, “músicos cósmicos” (há dedicatórias a Ornette
Coleman, Butch Morris ou David S. Ware) que lhe indicarão esse “corredor de luz”
que é o seu destino final. Como não poderia deixar de ser, é uma história profundamente
atávica. E vem também de há muito este impulso de Parker em elevar o
instrumentista à condição de xamã e a música à de agente do destino. Há uns vinte
anos, numa entrevista à “Soundboard”, dizia assim: “Cada vez que tocas podes
entrar numa espécie de corredor de luz. E se encontrares as combinações certas
de tons há uma porta que se abre. Por detrás dela estão os segredos da
existência.” Dir-se-ia que a cada disco que lança os vai revelando mais um
pouco.
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