3 de setembro de 2016

William Parker “Stan’s Hat Flapping in The Wind” (Centering, 2016)


Em ‘The End of the World’, logo a abrir, pode ouvir-se: “Rio-me entre as nuvens/ E o choro delas chama-se chuva/ É o fim do mundo/ É lindo”. Em ‘Autumn Song’, mais adiante, “caem pétalas de rosas, tão suaves e fragrantes pelo prado”, enquanto em “For Jeanne Lee” é a música “que pinga o chão”. Separadas no alinhamento por uma dúzia de temas, há uma afirmação (“A maior das revolucionárias chama-se rosa”) e um par de interrogações (“Se os poetas fossem rosas? Se as rosas fossem poetas?”) que se relacionam entre si e se cruzam com muitas coisas mais. Em ‘The Death of Death’ o condutor da ação dá com um “diabo de cabeça enterrada na areia, sorriso arreganhado e pés mergulhados em petróleo” para, depois, em ‘Mahalia’, se ver “cercado por anjos, altos como árvores”. Como de costume na lírica de William Parker, o que aqui se evoca é a transição e a transcendência ou, por outras palavras, a importância cultural do rito de passagem.

No caso, vem tudo à boleia de um projeto que o contrabaixista persegue desde 1994: a criação de um musical (“Stan’s Hat Flapping in the Wind”, precisamente) para o qual compôs já 60 canções e do qual, agora, num recital de piano e voz em que intervém exclusivamente como compositor, faz derivar 19. A sinopse: Stanley Greybeard, ameríndio, tem uma iluminação; é-lhe declarado o fim do mundo e anunciado que só o som o virá a redimir; acompanhado da mulher, Marilyn, judia, deverá partir em busca do ponto de origem da música sacra, feita de “amor, piedade e compaixão”; mas antes encontrará “anjos, demónios, montanhas que dançam, árvores que falam, flores que andam” e, fundamentalmente, “músicos cósmicos” (há dedicatórias a Ornette Coleman, Butch Morris ou David S. Ware) que lhe indicarão esse “corredor de luz” que é o seu destino final. Como não poderia deixar de ser, é uma história profundamente atávica. E vem também de há muito este impulso de Parker em elevar o instrumentista à condição de xamã e a música à de agente do destino. Há uns vinte anos, numa entrevista à “Soundboard”, dizia assim: “Cada vez que tocas podes entrar numa espécie de corredor de luz. E se encontrares as combinações certas de tons há uma porta que se abre. Por detrás dela estão os segredos da existência.” Dir-se-ia que a cada disco que lança os vai revelando mais um pouco.

Sem comentários:

Enviar um comentário