Dir-se-ia mais um título na senda
de “Lacrymae” ou “The Weeping White Room”. Mas, em nota introdutória, Bent
Sorensen (n. 1958) explica como lhe chegou literalmente às mãos o batismo de “It is Pain Flowing Down Softly on a White
Wall”, constituinte central deste programa concebido pelo acordeonista Frode
Haltli, e que tem como complemento “Air” e “Three Little Nocturnes”, de Hans
Abrahamsen (n. 1952): “Este título deu-mo uma senhora húngara, em agosto de
2008, após o festival Arcus Temporum, em Pannonhalma. Colocou-me na mão um
papel com a frase, dizendo que era um verso de um poeta húngaro de que se tinha
recordado ao escutar peças minhas. Decidi logo que poderia servir para designar
uma obra”. Agora, ao apresentar o disco, Paul Griffiths sugere que não se
encontra equivalência direta entre a frase específica e o “corpus de
poesia húngara” propriamente dito, apesar de Miklós Radnóti (de “Escorre uma
agonia carmesim pelas paredes da casa/ que cintilam”) ou János Pilinszky (de “Eu
mancho a parede com o meu choro”) dela se aproximarem. Mais do que concluir que
alguma coisa se terá perdido, ou achado, na tradução, Griffiths deduz que, num
processo que se assemelha à prática composicional de Sorensen, a espectadora terá
estabelecido um vínculo entre duas imagens distintas que guardava na mente e
que não possuíam qualquer relação entre si – que não pelo motivo comum da
parede e da lamentação, e pelo modo em que na memória coletiva ressoa a justaposição
desse par de elementos.
Griffiths não o refere, mas tudo isto se avizinha daquela
célebre declaração de Nordheim acerca da música de Sorensen (na foto, à esquerda): “Lembra-me
qualquer coisa que nunca ouvi!” Outro impulso não o guiará. Numa entrevista ao
site Bachtrack, quando o assunto chegou à questão das influências, o
dinamarquês respondeu assim: “A influência não é coisa que se escolha. Pode afirmar-se
até que eu e o conjunto das minhas influências nos escolhemos um ao outro. É
sempre um enigma, mas não andarei longe da verdade se disser que nunca me deixo
influenciar por algo que não pareça já, de alguma maneira, previamente influenciado
por mim – pelo que faço, pelo que penso. Coisas que tocam os enigmas que tenho
em mim e que neles se dissolvem.” Vive de encontros e desencontros desses, “It is Pain Flowing Down Softly on a White
Wall” (para acordeão e orquestra de cordas), onde, pelo ar, dançam partículas
de ‘My One and Only Love’ (Wood/Mellin), de ‘Vuelvo al Sur’ (Piazzolla) ou de
Haydn, mas em total desintegração, capazes de lembrar aquela frase de William
Basinski: “O mundo acabou há 2000 anos – isto é só o pó a assentar”.
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