17 de setembro de 2016

Frode Haltli "Air" (ECM, 2016)



Dir-se-ia mais um título na senda de “Lacrymae” ou “The Weeping White Room”. Mas, em nota introdutória, Bent Sorensen (n. 1958) explica como lhe chegou literalmente às mãos o batismo de “It is Pain Flowing Down Softly on a White Wall”, constituinte central deste programa concebido pelo acordeonista Frode Haltli, e que tem como complemento “Air” e “Three Little Nocturnes”, de Hans Abrahamsen (n. 1952): “Este título deu-mo uma senhora húngara, em agosto de 2008, após o festival Arcus Temporum, em Pannonhalma. Colocou-me na mão um papel com a frase, dizendo que era um verso de um poeta húngaro de que se tinha recordado ao escutar peças minhas. Decidi logo que poderia servir para designar uma obra”. Agora, ao apresentar o disco, Paul Griffiths sugere que não se encontra equivalência direta entre a frase específica e o “corpus de poesia húngara” propriamente dito, apesar de Miklós Radnóti (de “Escorre uma agonia carmesim pelas paredes da casa/ que cintilam”) ou János Pilinszky (de “Eu mancho a parede com o meu choro”) dela se aproximarem. Mais do que concluir que alguma coisa se terá perdido, ou achado, na tradução, Griffiths deduz que, num processo que se assemelha à prática composicional de Sorensen, a espectadora terá estabelecido um vínculo entre duas imagens distintas que guardava na mente e que não possuíam qualquer relação entre si – que não pelo motivo comum da parede e da lamentação, e pelo modo em que na memória coletiva ressoa a justaposição desse par de elementos. 

Griffiths não o refere, mas tudo isto se avizinha daquela célebre declaração de Nordheim acerca da música de Sorensen (na foto, à esquerda): “Lembra-me qualquer coisa que nunca ouvi!” Outro impulso não o guiará. Numa entrevista ao site Bachtrack, quando o assunto chegou à questão das influências, o dinamarquês respondeu assim: “A influência não é coisa que se escolha. Pode afirmar-se até que eu e o conjunto das minhas influências nos escolhemos um ao outro. É sempre um enigma, mas não andarei longe da verdade se disser que nunca me deixo influenciar por algo que não pareça já, de alguma maneira, previamente influenciado por mim – pelo que faço, pelo que penso. Coisas que tocam os enigmas que tenho em mim e que neles se dissolvem.” Vive de encontros e desencontros desses, It is Pain Flowing Down Softly on a White Wall” (para acordeão e orquestra de cordas), onde, pelo ar, dançam partículas de ‘My One and Only Love’ (Wood/Mellin), de ‘Vuelvo al Sur’ (Piazzolla) ou de Haydn, mas em total desintegração, capazes de lembrar aquela frase de William Basinski: “O mundo acabou há 2000 anos – isto é só o pó a assentar”.

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