3 de setembro de 2016

Hawniyaz (Harmonia Mundi, 2016)



Em julho de 2011, em vésperas de se apresentar no 18º Festival de Jazz de Istambul com o projeto “Mujeres de Agua”, Javier Limón dava uma entrevista ao diário “Zaman”. Falava de traços culturais comuns aos países do Mediterrâneo e, a certa altura, puxando a brasa à sua sardinha, o jornalista pergunta-lhe pela cantora Aynur (Dogan). “Tem a voz de uma guerreira”, respondeu o produtor, “além de que possui aquele tom lamuriento que é característico do cantar cigano”. No dia 15, ao lado de vocalistas gregas, israelitas ou espanholas, Aynur pôs-se debaixo do holofote e seguiu pelo labirinto melismático do flamenco até que, na sua língua materna, a curda, entoou uma canção de amor. Notou-se algum mal-estar entre o público, um ou outro berro rompeu com o silêncio protocolar, cuspiram-se para o ar versos da “Marcha da Independência” e, de repente, a voz da cantora foi varrida por uma vaia: exigiam que cantasse em turco. Aynur ficou a olhar para a assistência, sem saber se haveria de rir, chorar ou lutar, até que saiu de palco. Um ano mais tarde atuava no festival Morgenland, de Osnabrück, e, respondendo ao desafio de Cemîl Qoçgirî (instrumentista alemão de origem alevita), aceitou participar num ensaio com dois músicos que admirava mas que não conhecia pessoalmente: o iraniano Kayhan Kalhor e o azerbaijano Salman Gambarov, também presentes na edição desse ano do festival alemão. O encontro foi captado em vídeo: vêem-se os dedos de Gambarov a poisar nas teclas do piano com a solenidade de um cego que se prepara para revelar ao mundo um importante texto em braille, ouvem-se notas hesitantes no kamancheh de Kalhor, como o gaguejar de uma criança que aprende a ler, e um arpejo na tambura de Qoçgirî anuncia uma cantilena vinda de tempos imemoriais. Hoje perguntam a Aynur o que sentiu quando tocaram juntos pela primeira vez e ela responde que foi como chegar a casa. “Hawniyaz”, que, em curdo, quer dizer “precisamos todos uns dos outros”, é música para quem ainda procura o caminho.

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