Em julho de 2011, em vésperas de se
apresentar no 18º Festival de Jazz de Istambul com o projeto “Mujeres de Agua”,
Javier Limón dava uma entrevista ao diário “Zaman”. Falava de traços culturais
comuns aos países do Mediterrâneo e, a certa altura, puxando a brasa à sua
sardinha, o jornalista pergunta-lhe pela cantora Aynur (Dogan). “Tem a voz de
uma guerreira”, respondeu o produtor, “além de que possui aquele tom lamuriento
que é característico do cantar cigano”. No dia 15, ao lado de vocalistas gregas,
israelitas ou espanholas, Aynur pôs-se debaixo do holofote e seguiu pelo
labirinto melismático do flamenco até que, na sua língua materna, a curda, entoou
uma canção de amor. Notou-se algum mal-estar entre o público, um ou outro berro
rompeu com o silêncio protocolar, cuspiram-se para o ar versos da “Marcha da
Independência” e, de repente, a voz da cantora foi varrida por uma vaia:
exigiam que cantasse em turco. Aynur ficou a olhar para a assistência, sem saber
se haveria de rir, chorar ou lutar, até que saiu de palco. Um ano mais tarde atuava
no festival Morgenland, de Osnabrück, e, respondendo ao desafio de Cemîl
Qoçgirî (instrumentista alemão de origem alevita), aceitou participar num
ensaio com dois músicos que admirava mas que não conhecia pessoalmente: o
iraniano Kayhan Kalhor e o azerbaijano Salman Gambarov, também presentes na
edição desse ano do festival alemão. O encontro foi captado em vídeo: vêem-se
os dedos de Gambarov a poisar nas teclas do piano com a solenidade de um cego
que se prepara para revelar ao mundo um importante texto em braille, ouvem-se notas hesitantes no kamancheh de Kalhor, como o gaguejar de uma
criança que aprende a ler, e um arpejo na tambura de Qoçgirî anuncia uma
cantilena vinda de tempos imemoriais. Hoje perguntam a Aynur o que sentiu
quando tocaram juntos pela primeira vez e ela responde que foi como chegar a
casa. “Hawniyaz”, que, em curdo, quer dizer “precisamos todos uns dos outros”,
é música para quem ainda procura o caminho.
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