19 de novembro de 2016

Berio: Sinfonia; 10 Frühe Lieder (Harmonia Mundi, 2016)



Na mais bem conseguida entre as “Fünf Frühe Lieder” e as “Sechs Frühe Lieder” – o conjunto das canções da juventude de Gustav Mahler orquestradas por Luciano Berio entre 1986 e 1987 e agora interpretadas por um Goerne em estado de graça – escuta-se o insistente telintar do relógio biológico: “De pé, dorminhoco! Toca a levantar!” É em “Frühlingsmorgen”, o momento em que, conforme caracterização sua, Berio invocava um “Mahler improvável”. Também em “Sinfonia”, mais concretamente no seu terceiro andamento, por intermédio de citações de “O Inominável”, de Samuel Beckett, se vai repetindo em refrão “Keep going” (“I have a present for you. Keep going, page after page. Keep going, going on”). E do mesmo modo era de Mahler que se falava, daquele que Berio via como um zelador da história da música. Aliás, o andamento, uma das obras-primas do século XX e a principal razão de ser deste extraordinário CD, assentava num decalque a papel vegetal do scherzo da segunda sinfonia de Mahler, a ‘Sinfonia da Ressurreição’. Por isso, antes de chegar ao fim, dá-se por esta frase: “E pronto, acabou, já tivemos a nossa oportunidade. Por um segundo, até, tivemos esperança na ressurreição.” Há dezenas de alusões musicais (a Berlioz, Beethoven, Berg, Boulez ou Brahms, para nos ficarmos por uma letra, como um jogo de majongue com o texto de Beckett) e Berio fala tanto de uma nova vida para a música quanto de uma repentina cura para a sociedade. “O inesperado está entre nós”, avisa. Como aqui? Nunca mais.

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