Módena, Ferrara, Turim, Génova, outubro de 1996. Nas manchetes
dos jornais sentiam-se as ondas de choque desencadeadas pela última provocação
da Liga Norte mas também chegavam novas da campanha para as presidenciais
norte-americanas, em que se discutia mais o financiamento dos partidos do que o
mérito dos candidatos. Na rádio e televisão rodavam as canzoni de Lucio Dalla e nas salas de cinema estreava “Trainspotting”.
Deitado num quarto de hotel ou debruçado da janela de um avião sobre o rio Pó imagina-se
Keith Jarrett a interrogar-se: mas que faço eu aqui? Estava à beira da exaustão
física e mental, consumido pela síndrome de fadiga crónica, aquilo a que se vai
chamando doença sistémica de intolerância ao esforço. Em notas de apresentação
brutalmente honestas, admite agora que se sentia entre a vida e a morte, a
lutar com todas as forças para não sucumbir à enfermidade e a tentar reunir diariamente
a coragem necessária para subir ao palco. Logo após estas quatro datas seria
engolido pela depressão e pela debilidade, numa profunda agonia de que se soltaria
aos poucos até à edição do fisioterapêutico “The Melody at Night With You”.
Curiosamente,
ou, quiçá, em vista disto, considera estas gravações como o cume da sua
carreira. Diz: “Estes foram os últimos concertos que dei sem intervalos entre sets. [i.e., com aqueles extensos e
excêntricos arcos narrativos a rondar a meia hora cada um, mais imponentes que
a pala do Siza]. Ontem, ao acabar de escutá-los, lembrei-me da razão de ser
disto tudo: a capacidade de captar conscientemente cada momento.” Na realidade,
estes 280 minutos são uma espécie de compêndio de um executante já de si
enciclopédico. Ou melhor, são como um “Borda d’Água” do pianismo contemporâneo,
ecumenicamente permeáveis ao conhecimento técnico mas também ao esotérico,
abertos a todo o tipo de curiosidades. Do telúrico (Ferrara, “Part I”) ao celífluo
(Turim, “Part I) será apenas incoerente para uns, indulgente para outros,
indispensável para os demais.
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