Estavam meia-dúzia
de caras conhecidas no claustro do Palácio Almada-Carvalhais. Fazia-se conversa
de circunstância e os mais ansiosos entretinham-se a observar colunas e
capitéis, apontando uma caveira aqui, uma cabeça de cão acolá. Eram horas e o
B.Leza continuava fechado. No primeiro andar desfazia-se um novelo de cadeiras,
abastecia-se o bar, lavavam-se soalhos a meia-luz. Não fosse a ameaça de chuva
nessa noite de outono de 1997 e o atraso ainda teria sido maior, mas a verdade
é que já passava da uma quando Alcides subiu ao palco para apresentar
“Pensamento”, um notável disco de estreia que a Áfrika Produções e a BMG tinham
colocado no mercado antes do verão. Com quase dois metros, apequenava-se ao atuar,
receoso de perder a afinação, jamais esforçando um timbre de que não se esfumariam
a candura e a esperança. O público fazia coro em ‘Nho Manel’ e ‘Chica di Nha
Maninha’ e dançava, apanhando Alcides de perfil, o ‘ouvido bom’ à coca do que a
banda fazia. Sabia-se que lhe tinha sido diagnosticada neurofibromatose e que um
punhado de tumores lhe tomava conta do aparelho auditivo mas não se podia crer
que se pudesse doravante ficar sem a sua voz. O destino foi-lhe ingrato: totalmente
surdo, Alcides não tornou a gravar, embora se mantenha ligado ao B.Leza. Pode
ler-se algo da sua história em alcides-album.com e hoje, no CCB, recebe
convidados dispostos a visitar esse repertório que começou a fixar em estúdio há
20 anos. Também o álbum foi reeditado, simplesmente como “Alcides”. Em parte
devido ao génio de Paulino Vieira, que salta de instrumento pela mesma razão
que um colibri muda de flor, e a par de “Miss Perfumado” (Cesária Évora),
“Canta Eugénio Tavares” (Sãozinha), “Terra & Cretcheu” (Teófilo Chantre),
“Nos Tradição” (Celina Pereira), “Raíz” (Simentera), “Reencontro” (Djurumani),
“Graça de Tchega” (Tito Paris), “D’Zemcontre” (Maria Alice), “Nos Morna” (Ildo
Lobo) e “Coraçon Leve” (Herminia), está entre as obras-primas da música vocal cabo-verdiana
da era do CD.
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