Há
qualquer coisa de evanescente no piano Érard, de Melnikov, que logo às
primeiras notas da “Sonata para Piano e Violino em Lá maior”, de César Franck,
aponta no sentido daquela reconfiguração cultural que acompanhava o fin de siècle e que via em cada mudança
significativa na sociedade um abalo sísmico de proporções catastróficas a que
tentava a todo o custo resistir por via da introversão. Como a época que a viu
nascer, é um capricho, cheia de manias e apontamentos místicos, em partes iguais
leda e lânguida, indecisa e definitiva, não inteiramente imune a ilusões de
grandeza e capaz de deixar no ar o aroma da alienação, se não do pessimismo – como
uma madalena acabada de sair do forno, diria Proust. Paroxística, foi, conforme
se sabe, um presente de casamento para Eugène Ysaÿe. E é verdade que há quem a
tivesse tocado como na antecâmara de uma noite de núpcias (saltam à memória os
nomes de Kyung-Wha Chung e Radu Lupu, numa gravação lançada em 1980 pela
Decca).
Não é de todo o que se passa agora, claro, com Faust a optar por um tom
mais vítreo, algo impessoal e impenetrável, ou melhor, imparcial, quando comparado
à suave vulnerabilidade que emana das teclas. Trata-se de uma impressão que
logo se dissipa, no entanto, quando no Allegro
e no Recitativo o violino se aproxima
dos valores do remorso e do sacrifício que, de modo quase absurdo, o
triunfalismo do Allegro final tenta esquecer.
São, mais uma vez, características daquele tempo de transição de que provém
igualmente o invulgar “Concerto para Piano, Violino e Quarteto de Cordas em Ré
maior”, Op. 21, de Ernest Chausson, também ele dedicado a Ysaÿe. As ligações
entre os compositores são bastamente conhecidas – até as respetivas mortes
foram um tanto coincidentes – e não seria agora que se divorciariam as duas
obras daquela espécie de verão de São Martinho comum aos dois, embora aqui o
cenário fique definitivamente assombrado pelo fatalismo de Wagner – os
fantasmas de Tristão e Isolda com direito a uma última dança.
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