8 de julho de 2017

Sugestões de verão (2017)



Gaye Su Akyol “Hologram Imparatorlugu” (Glitterbeat, 2016)
Aterrou recentemente em lojas portuguesas este óvni de 2016, plasmado a partir do meridiano do psicadelismo anatólico da década de 70 (Selda, Cem Karaca, Ersen, Erkin Koray, et al.). Sarcástico e sério (o título traduz-se por “Império do Holograma”), sensual e surreal (salta da cama ao cosmos sem pudor), projeta a estrutura modal turca na voragem de um buraco negro. Num verso: “A forma é amorfa.”

Avi Avital & Omer Avital “Avital Meets Avital” (Deutsche Grammophon, 2017)
Costuma dizer-se que há quem aproveite o verão para mudar a pele. Já os israelitas Avi e Omer Avital, por sua vez, decidiram reinventar-se enquanto instrumentistas de modo a sentirem-se mais confortáveis na sua. É o que se vislumbra ouvindo ‘Ana Maghrebi’ (i.e.: Eu sou marroquino) e todo este conjunto de modas mediterrânicas mergulhadas em água morna e temperadas pelo perfume de uma saudade comum.

Miles Davis “At Fillmore” (Music on CD, re. 2017)
É a reedição de 1997, aquela em que pela primeira vez se indexavam os temas e se modelava o magma que a banda de Miles (Grossman, Corea, Jarrett, Holland, DeJohnette, Airto) extraía em 1970 às entranhas da terra. Na íntegra, este material viria a culminar nos 250 minutos de “Miles at the Fillmore: The Bootleg Series Vol. 3”, em 2014, mas basta um segundo para se comprovar a sua eterna ignescência.

Herbie Hancock “Sunlight” (Music on CD, re. 2017)
Em 1977 estreava “Saturday Night Fever”, abria o Studio 54 e um êxito à escala planetária como ‘I Feel Love’, de Donna Summer, prescindia de instrumentos acústicos. Na TV falava-se de computadores pessoais e de viagens espaciais e, em estúdio, no verão, rodeado de sintetizadores e de um vocoder, o Herbie Hancock de “Sunlight” via a luz solar refletida numa bola de espelhos. O tempo só lhe fez bem.

4 Cities” Fazil Say, Nicolas Altstaedt (Warner, 2017)
Algo voltadas para o passado e afetadas pela fugacidade da experiência humana, estas sonatas de Debussy (1915), Janácek (versão revista de 1923) e Shostakovich (1934), que Say e Altstaedt reúnem, possuem muito em comum com essoutra que ganha aqui primeira gravação – exatamente “Four Cities”, de 2012, da autoria do próprio pianista, evocação de quatro cidades turcas que força a viajar pela memória.

“El Amor Brujo – Esencias de la Música de Manuel de Falla”, Euskal Barrokensemble, Enrike Solinís (Alia Vox, 2017)
Em busca de um imemorial odor levantino, vai-se de Scarlatti a Rodrigo, de Cantemar a Tárrega, passando pelas páginas que mais cheiravam a figo e a flor de laranjeira na obra de Falla com María de la O Lejárraga (de ‘Canción del amor dolido’ e ‘Canción del fuego fatuo’ a ‘Danza del juego del amor’).

Monteverdi: Madrigali Vol. 3 – Venezia (Harmonia Mundi, 2017)
Nasceu há 450 verões, Claudio Monteverdi. E nada melhor para o lembrar do que o derradeiro capítulo desta trilogia de gravações que Les Arts Florissants lhe dedicam, agitadamente consagrado aos livros sétimo e oitavo de madrigais, tomos dos quais se extrai o néctar amargo e doce da guerra dos sexos.

Delius: Orchestral & Choral Works (Warner, 2017)
Para aqueles tristes entardeceres em câmara-ardente, em que do verão se ergue um monumento ao remorso, fica bem algo, assim, tão obsoleto quanto o Frederick Delius de “Songs of Sunset”, “In a Summer Garden”, “Summer Night on the River” ou “Summer Evening”, com Beecham a jogar em casa e com perfeita consciência de que, aqui, cada nota parecia saída de uma espreguiçadela iniciada no século anterior.

Sem comentários:

Enviar um comentário