Como tantos virtuosos, também
Evgeny Kissin dá mostras de proceder de acordo com os ditames da Terapia
Racional Emotiva e Comportamental desenvolvida por Albert Ellis. Desta feita, ao
que parece, escrevendo um livro de modo a prolongar a sua curta tolerância à
frustração: “Dei ao longo da minha vida variadíssimas entrevistas; e nessas
entrevistas foram-me com frequência colocadas as mesmas questões. Esta é uma
tentativa de lhes dar resposta”, confessa ele, em “Memoirs and Reflections”
(W&N, 2017). Que não apenas no prefácio, mantém-se algo prosaico, o tom da
autobiografia, para não dizer presumido. Não obstante, e como não poderia
deixar de ser, revela a espaços uma enorme perspicácia e permite apreciar mais
aprofundadamente o percurso deste menino-prodígio, pianista desde os dois anos
de idade. Aliás, por vezes, e de forma igualmente inevitável, a impressão que
fica é que o impulso autobiográfico atua tanto em zonas sensíveis da infância
quanto da maturidade – ou seja, que serve para suprir carências.
Mas, aos 46
anos, Kissin apresenta-se ao mundo como um homem resolvido: recém-casado, de
regresso à Deutsche Grammophon (um quarto de século depois, precisamente como
quem faz as pazes com o período mais impressionável do seu passado) e
reconciliado com Beethoven (“Nunca senti que Beethoven me fosse menos próximo
do que Chopin, mas precisei de muito tempo para tocar a sua música a um nível,
digamos, adequado, de maneira a soltar-me nela enquanto intérprete”, diz).
Agora, calcula-se que esta edição sirva para celebrar a união entre afinidade e
habilidade. Nem sempre nas melhores condições técnicas, entre 2006 e 2016, são gravações
feitas em recitais delineados à medida da disponibilidade metafísica das elites
de Seul, Nova Iorque, Viena ou Verbier: da Sonata Nº 3, com um imaginativo Adágio
em que se compensa uma incogitável falta de poesia, à Nº 14 (“Ao luar”,
atmosférica e evocativa); da Nº 23 (“Appassionata”, eruptiva e eloquente) à Nº
26 (uma caprichosa “Les adieux”) e à Nº 32 (em partes iguais aliciante e
alienante). Mas é em “32 Variações em Dó menor”, curiosamente, que Kissin se
redime em definitivo, pondo fim à repressão do melhor Beethoven que havia em si.
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