Há 30 anos, numa carrinha, a caminho de Berkeley,
na Califórnia, Keith Jarrett, Gary Peacock e Jack DeJohnette matavam o tempo a
falar de tudo um pouco, “de outros músicos, do passado”, até que a conversa foi
parar a Ahmad Jamal. “Eu falei-lhes no ‘White Album’ [uma antologia, de 1959] e
eles puseram-se a olhar para mim, espantados, porque a verdade é que, sem o
saber, cada um de nós tinha tido uma experiência importante ao ouvir o disco”,
lembrava Jarrett, numa entrevista de 2001 a Ted Panken. Levado, pelo
jornalista, a admitir, ao certo, o que teria provocado tamanha conformidade de
juízos, Jarrett respondia assim: “Bem, o Miles [Davis] dizia mais ou menos a
mesma coisa – que, o que o teria de certa maneira influenciado era o modo como
[o trio de Jamal] usava o espaço. E eu diria algo do género: que aquilo,
precisamente, que eles não tocavam se provava indispensável [para a música que
produziam].”
Escute-se, aqui, a versão que Gary Peacock, Marc Copland e Joey
Baron fazem de ‘Blue in Green’, o tema mais transcendente de “Kind of Blue”, e ficará
perfeitamente ilustrado o comentário de Jarrett: Copland a pintar a melodia
inicial com tinta invisível e praticamente a sair de cena, Peacock a fazer um
perfeito contraponto cromático para as cores que Copland não mostra mas que se
sabe lá estarem, Baron a tocar pacientemente com vassouras, imperturbável, como
quem mói pigmentos naturais num almofariz. Como é óbvio, tudo isto – este
desapego à forma, entenda-se – é muito Zen. E traz efetivamente à memória o que
Peacock fez ao lado de Bill Evans, autor do tema (o que, como se sabe, não foi
razão suficiente para que Miles dele se deixasse de apoderar fraudulentamente),
e, mais ainda, com Jarrett. Aliás, não terá sido outro impulso a estar por trás
da formação do trio Standards, em 1983 (“E se recorrêssemos a material que é,
já, parte tão integral daquilo que nós somos – esteja ele na nossa cabeça ou
nas nossas mãos – que nem sequer nos temos de preocupar com isso?”, foi uma
formulação de Jarrett). Agora, Peacock fala de tangentes. Na vida, tal como no
jazz, é quanto basta.
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