21 de outubro de 2017

Michaël Attias Quartet “Nerve Dance” (Clean Feed, 2017)



Com uma lona a cobrir o bronze de Robert E. Lee em Emancipation Park no centro das atenções, e à luz de acontecimentos recentes em Charlottesville, têm-se discutido símbolos afetos à elite agrária e escravocrata que dominou o sul dos Estados Unidos até à Guerra de Secessão. Mas já há um ano, em Houston, se debatia a mudança de nome da Lanier Middle School, batizada em honra do poeta e músico Sidney Lanier, personagem que, por sinal, possui uma biografia curta e curiosa, com passagem fugaz pelo exército confederado (na base da celeuma atual), pela advocacia, pela docência ou pelo fantasioso, disciplina em que, ao longo de 1876, na revista literária “Lippencott’s”, e sem ter posto um só pé no subcontinente, publicou uma série de crónicas de viagem chamada “Esboços da Índia”. Numa, ao descrever os movimentos de uma bailarina, dizia assim: “Reparei que tremia por inteiro e que, não obstante, era capaz de manter um ar de enorme elegância. A sua atuação resumia-se a lânguidas alterações a essa postura e a uma miniatural dança dos nervos do seu corpo.” 

A frase parece feita à medida deste extraordinário “Nerve Dance”, claro, e a verdade é que o disco do quarteto de Attias permanece em diálogo aberto com as ambiguidades que conjuga e com a tensão que o cerca. Numa entrevista a “Jazz Right Now”, o saxofonista diz preferir a música que pressupõe a “democracia do ouvido” e respeitar uma plateia que aceite estar “perante o desconhecido” – ele, que, em 2015, num ensaio, sugeriu que o “improvisador é um completo estranho à música”, pois “a música é revolta”, um “corpo que ensino a dançar ao contrário”. É uma referência a Artaud, a coreográfica expressão, e ao sujeito enquanto identidade inacabada. Em junho, a “JazzTrail”, assumia não ter identidade, no sentido em que não queria “ficar preso a uma certa imagem” de si próprio – queria ir “mais fundo”. Nunca, como aqui, e jamais num momento tão necessário. Ouve-se “Nerve Dance” e sente-se o jazz a rebelar-se contra a tirania das construções identitárias, como um tijolo de lucidez atirado a flash mobs de neonazis em Charlottesville.

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