14 de outubro de 2017

Rachmaninov: The 4 Piano Concertos; Piano Works (Warner, 2017)


Rachmaninoff não se conseguia fazer entender. Mesmo quando os jornalistas o levavam à trela, perdia-se. Estava desde 1918 em Nova Iorque e quando lhe pediam um comentário acerca do estado de coisas na Rússia, ele, que pertencia à primeira vaga de emigrantes saída da Revolução de Outubro, vacilava: “Vocês não fazem ideia da desesperada saudade que sente um homem sem lar. Aqui, até o ar é diferente.” Prokofiev, outro expatriado, dizia: “Sou russo, isto é, o menos equipado dos homens para o exílio. Vejam os meus compatriotas, espalhados pelo mundo mas intoxicados pelo ar do seu país”. Na altura, dir-se-ia o reflexo de uma tendência natural para a contemplação. “Talvez todo o russo seja uma espécie de eremita”, concluía Rachmaninoff, que, antes de fugir à convivência com os seus, procurava paz e tranquilidade na herdade de Ivanovka, na estepe de Tambov, onde “em vez de um vasto oceano havia campos de trigo e centeio a perder de vista”. Em 2002, numa entrevista concedida a uma publicação alemã, a “Klassik Heute”, perguntavam a Nikolai Lugansky se na sua personalidade identificava alguma dessa melancolia expressa por Rachmaninoff. “Creio que sim”, respondia o pianista. “Está na nossa índole, quiçá em virtude da extensão e escuridão da nossa paisagem.”

Desde que Lugansky toca publicamente Rachmaninoff – e em disco fá-lo desde 1987, tinha então 15 anos – que é nisto que se pensa: que se está perante aquele caso, raro, de um intérprete do compositor que não tem de se compenetrar inteiramente do pensamento alheio ao executar-lhe as obras, como se as tivesse encontrado com domicílio na sua própria intuição, na sua memória, na sua experiência de vida. Confirmando-o, chegou há pouco ao mercado esta imaculada retrospetiva (trazendo a reboque as sinfonias dirigidas por Previn), na qual se destacam os Prelúdios do opúsculo 23, apenas porque Lugansky os planeia tocar hoje ao final da tarde em Lisboa (19h, Gulbenkian). Vêm de antes do desterro, quando o futuro parecia diferente, menos empestado por saudades, mas a melancolia já lá estava, mascarada de outra coisa: “Que bem que ele ouve o silêncio”, disse Gorki, quando os escutou pela primeira vez. Podia estar a falar de Lugansky.

Sem comentários:

Enviar um comentário