Bem perto de nós, mais ou menos a oito anos-luz da
Terra, na constelação de Cão Maior, encontra-se Sírio, o sistema de estrelas
mais brilhante no céu noturno. Por sinal, é em meados de janeiro que atinge o
meridiano à meia-noite e melhor se observa a olho nu – nem é preciso ir à Tapada
da Ajuda. Em jeito de brincadeira, há coisa de uma semana, ao encontrar-me com
Yaw Tembe para falar deste extraordinário disco, e imaginando o terraço da ZDB convertido
em observatório astronómico, introduzo o assunto. Tembe ri-se da coincidência,
mas nota-se que ao mesmo tempo a receia. Afinal, diz, vem trabalhando no
sentido inverso ao da acumulação de significados: “Tínhamos nome para o grupo
[Sirius são Tembe na trompete e Monsieur Trinité (Francisco Trindade) em
percussão] antes ainda de termos a nossa música”, conta, levando a mão a uma
chávena de chá de morangos e menta. “Desde aí, se é que posso falar pelo
Francisco, e talvez por os termos já interiorizado, temos tentado libertar-nos
de conceitos.” Aliás, no CD, a certa altura, Tembe declara solenemente que “o
fim está em cada estado da matéria”.
Trata-se de uma demanda – esta, de se
aproximar da natureza dos elementos – que se tem imposto de forma regular no
seu dia-a-dia (enquanto pedíamos, depois de ter passado os olhos pelo menu do
salão de chá, desabafou amavelmente: “Por mim, dispensava os morangos, mas não
há nada assim mais simples”). Também a música no álbum, extraída a duas sessões
de gravação no Panteão Nacional (em 2015), lhe parece menos complicada do que
aquela que fazia antes, quando, por exemplo, processava a sua trompete. “No
Panteão”, recorda, “senti uma pressão praticamente atmosférica. O que me levou
a pensar em algo menos concreto, mais ritualista, como se o som que me era
devolvido naquele longo revérbero da sua nave central fosse um resíduo de
outras coisas mais – de partículas, cinzas.” (A tocar no mesmo espaço, Peter Evans
disse acontecer ali ao som aquilo que numa casa de espelhos se dá com o nosso
reflexo.) Talvez por isso, por via de um trecho de “O Mistério de Sírio”, de
Robert K. G. Temple, tenham incluído no CD uma referência ao Templo de Apolo,
situado numa caverna, cuja dimensão alegórica o Panteão dá por ora mostras de
sintetizar. Como quem põe um pé na Antiguidade e tem outro em órbita.
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