Debussy detestava o adjetivo impressionista. Mas não
se queixou quando Eugène Ysaÿe, Mathieu Crickboom, Léon van Hout e Joseph Jacob
apresentaram o seu “Quarteto de Cordas” numa galeria de arte de Bruxelas, em
março de 1894, rodeados de quadros de Carrière, Renoir, Gauguin, Redon ou
Sisley. Imaginam-se as conversas de circunstância: no que ouve, tanto quanto
naquilo que vê, o público elogia certamente a vívida intensidade e imediatez, a
decomposição da matéria-prima, o desdém pelas regras. Reação diferente tinha a
obra gerado em Paris, aquando da sua estreia na Société Nationale de Musique:
aí, porventura sem surpresa, dividiram-se as opiniões – e entre a assistência
pode ter havido até quem não a tenha considerado suficientemente audaz. Afinal,
a apoteótica apresentação do “Quarteto de Cordas” de César Franck três anos
antes, pouco antes do compositor falecer, estava ainda fresca na memória de
todos. E eis que surgia Debussy a explorar ciclicidade temática de modo
semelhante, a recorrer, como o seu predecessor, a quatro andamentos (e Debussy
não tornaria a dividir uma obra bem assim) e a articular ideias de maneira
análoga à de Franck – não importa se tudo o que os aproxima é exatamente o que
serve para os distinguir.
Dez anos depois, quando Ravel deu a escutar o seu “Quarteto”,
os argumentos usados para o comparar com Debussy não foram diferentes dos que
serviram para confrontar Debussy e Franck. Será um pouco como pôr a par as
personagens de Al Pacino em “O Padrinho: Parte III” e “Perseguido pelo Passado”
para chegar à conclusão que são uma só, quando, na realidade, elas pretendem o
mesmo: deixar de carregar a História aos ombros como uma fatalidade. Na
interpretação do quarteto Jerusalem – porventura a mais conseguida desde
aqueloutra do quarteto Ebène, de 2008 – é para isso que se aponta, com uma
concentração que não compromete o evanescente charme de cada obra, nem a sua
flexibilidade rítmica ou, no fundo, aquilo que tão bem as define: o
encantamento da forma.
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