Lovano
e Douglas entraram em estúdio a 4 de setembro de 2017 para gravar este disco,
que batizaram “Scandal”. E, de facto, tinha sido um verão perfumado por
incontáveis ofensas ao pudor. Bastava seguir o que um títere como Trump dizia pela
cimeira do G20, pela visita oficial a Paris ou pela conta de Twitter: o Presidente
declarava-se vítima de fraude eleitoral, repudiava Putin, provava-se
transfóbico, atacava o ‘Obamacare’, sancionava Maduro, condenava a “violência de
ambos os lados” em Charlottesville e ameaçava “fechar o governo” se o Congresso
não financiasse o muro ao longo da fronteira mexicana. Mas seria outro
escândalo que os músicos tinham em mente: “Nós não estamos a seguir as regras
do jazz”, explicava Douglas, num comunicado da sua editora. “O ‘escândalo’ em
questão”, prosseguia, “refere-se a esta nossa capacidade de colocar continuamente
em causa tudo aquilo que se supõe ser a improvisação”. Até porque, conforme
concluía, lidar com o “desconhecido tornou-se hoje tão raro quão arriscado”. Afinal,
sempre se está a falar de política. Por isso, porque se trata de alguém que,
diz Lovano, “na música e na vida nos inspira a sermos quem somos independentemente
das lutas sociais que tenhamos de travar”, mantêm este quinteto sob a tutela
artística de Wayner Shorter – a quem agradecem, em notas de apresentação, a
“destemida liderança em tempos tão tumultuosos”.
Aliás, em setembro de 2013,
quando Douglas, Lovano, Baron, May Han e Fields tocaram ao vivo pela primeira
vez, no Festival de Monterey, estrearam duas peças de Shorter, ‘To Sail Beyond
the Sunset’ e ‘Destination Unknown’ – daquelas cujos títulos parecem saídos do
diário de bordo da USS Enterprise, quando em “Star Trek” se anunciava que a sua
missão era “audaciosamente ir onde nenhum homem alguma vez foi” (alertem-se as
feministas: a enfermeira Chapel e a tenente Uhura também faziam parte da
tripulação). “É trabalho para uma vida inteira”, dizia Shorter, ao Expresso, em
2014, referindo-se ao facto de ser indispensável entender a “diferença entre o
bem e o mal (…) quando se exerce um ofício que nos obriga à total cumplicidade
com o momento”. E, depois, tirava a seguinte ilação: “Exprimimo-nos em termos
dualísticos mas a mim preocupa-me mais sublinhar o que há de comum em tudo
aquilo que nos separa.” Não há maior motor para o que faz, aqui, este quinteto
(que, de Shorter, toca ‘JuJu’ e ‘Fee-Fi-Fo-Fum’): cantar em honra dos que insistem
em contemplar as estrelas quando passam o dia a olhar para o chão.
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