Sem apetite algum e a cair de cansaço, Allan
Pettersson (1911-1980) falava da cama de um hospital aos jornalistas: “Nesta
espécie de túnel em que vivo, não há ninguém. Nem Deus, nem nada que se pareça.
Existo eu, inexoravelmente só. Se quiserem, há uma vontade – uma força que jorra
de um condenado.” Referia-se às suas novas sinfonias – a décima e a
décima-primeira, cujos contornos esboçou internado enquanto recuperava de
doenças do fígado e via agudizar-se a artrite reumatóide de que há anos
padecia. Como afirmou um dia a Leif Aare, o seu biógrafo: “A música que faço
reflete a minha própria vida, as suas bênçãos e maldições.” Daí tanto se falar
em catarse a seu respeito. Num documentário, “Sangen om livet” (ou “A Canção da
Vida”), o seu irmão conta como lhe era difícil levantar-se da cama de manhã, de
tantas dores, mas que assim que se sentava na secretária a compor o seu sofrimento
parecia esvanecer-se. “Ainda mantenho um horário de expediente”, declarava
Pettersson. “Graças à minha imaginação e à minha capacidade de abstração, chego
a esquecer-me deste absoluto inferno em que vivo. Mas claro que, quando acabo
de trabalhar, cá estou eu, novamente velho e doente. E aí vou-me completamente
abaixo.”
Em 1968, quando a sua sétima sinfonia se estreou, não se podia
imaginar um compositor mais desligado do seu tempo, mas a verdade é que
Pettersson não estava assim tão distante do Stockhausen de “Aus den sieben
Tagen”, em que o alemão sugeria coisas como “Toca uma vibração no ritmo do teu
próprio corpo”. Claro que a sua música não se escutava em Darmstadt – aliás,
nem aí, nem em praticamente lugar algum. E 50 anos depois não se pode dizer que
o caso tenha mudado de figura. Daí a importância deste ciclo de gravações com a
integral da sua extraordinária obra sinfónica, uma daquelas raras vias de
acesso à música contemporânea que as patrulhas de vanguarda não sentiam
necessidade de rigorosamente vigiar. Talvez encontrassem aqui mais dor que a que
seriam capazes de suportar ou talvez este lugar fosse solitário demais – porque
esta quinta e esta sétima são de partir o coração.
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