Uma
das mais citadas frases de Marty Ehrlich é pura fabricação. Surge em livros
como “Jazz/Not Jazz: The Music and Its Boundaries” ou “New York Noise: Radical
Jewish Music and the Downtown Scene” e diz assim: “Anthony Braxton lançou o seu
disco de saxofone solo [“For Alto”, 1969] e afirmou [em notas de apresentação] que
ouvia James Brown, Karlheinz Stockhausen, Charlie Parker, Mozart, [a música
dos] pigmeus e Marvin Gaye ou algo do género… Como miúdo que era, fiquei com a
cabeça a andar à roda. Aliás, a minha geração define-se por isso. Pelo facto de
ter subitamente ficado tudo à nossa disposição.” A intenção é boa, claro. E não
há dúvida que Braxton terá efetivamente declarado “algo do género” (foi por
ocasião do seu primeiro LP, “3 Compositions of New Jazz”, quando explicou ao
crítico John Litweiler que se poderiam elencar deste modo as suas fontes de inspiração:
“Paul Desmond, Ornette, Eric Dolphy, Jackie Mclean, Karlheinz Stockhausen,
Miles, James Brown e Chicago Transit Authority”), embora o ponto não seja
exatamente esse.
Ehrlich, como tantos antes de si, identificava-se com essa
inesperada posição que Braxton personificava e que visava impossibilitar a
institucionalização do gosto ao mesmo tempo que dava mostras de transcender em
absoluto os seus próprios limites e idiossincrasias. Se não fosse assim, por
sinal, Braxton, nesse mesmo depoimento, não teria sugerido estarmos “em
vésperas da queda definitiva dos ideais e valores do Ocidente” – só lhe faltava
saudar a Era de Aquário. Infelizmente não sabia Braxton, nem muito menos
Ehrlich, que, por vezes, como cantavam os Paralamas do Sucesso (e os
brasileiros costumam saber destas coisas), depois da queda ainda pode vir o
coice, e que períodos de sucessivo reacionarismo culminariam no atual estado de
coisas – “tempos difíceis no mundo” da música improvisada e do jazz, como
Ehrlich os caracteriza, em notas de apresentação. Daí que tanto impressionem
estes extraordinários temas, este título e este trio (Ehrlich, em saxofone
alto, clarinetes e flautas, é acompanhado por John Hébert no contrabaixo e por
Nasheet Waits na bateria) que nos vem falar da exaltação do momento. Nunca o
melhor jazz pretendeu outra coisa.
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