Em
outubro de 1968, no primeiro “Divino, Maravilhoso”, um programa da TV Tupi que
dava plenos poderes ao grupo tropicalista e em que Jorge Ben participou, Caetano Veloso canta ‘Saudosismo’:
“Eu, você, depois/ Quarta-feira de cinzas no país/ E as notas dissonantes/ Se
integraram ao som dos imbecis.” Passados dois meses é preso. O tema é estreado
em disco no primeiro álbum a solo de Gal Costa, tinha já Caetano (e Gilberto
Gil) saído da prisão. Sem ironia, foi solto a 19 de fevereiro de 1969, numa quarta-feira
de cinzas. Em julho parte para o exílio e o seu povo ri e chora como sabe e
pode, ao som de três canções em tudo comunicantes e em tudo resistentes à
autocomiseração: ‘Atrás do Trio Elétrico’, do próprio Caetano (“Atrás do trio
elétrico só não vai quem já morreu/ Quem já botou pra rachar aprendeu/ Que é do
outro lado do lado de lá, do lado que é lá do lado de lá”), ‘Aquele Abraço’, de
Gilberto Gil (“O Rio de Janeiro continua lindo/ O Rio de Janeiro continua
sendo/ O Rio de Janeiro, fevereiro e março/ Alô, alô, Realengo, aquele abraço/
Alô torcida do Flamengo, aquele abraço”) e ‘País Tropical’, de Ben (‘Moro num país tropical/ Abençoado por Deus/ E
bonito por natureza/ Em fevereiro tem carnaval/ Tenho um fusca e um violão/ Sou
flamengo e tenho uma nega chamada Tereza”).
No entanto, na altura, com a
censura, com a suspensão do habeas corpus,
com o Congresso fechado, com a ilegalização das reuniões políticas, enfim, com
a total coação dos direitos adquiridos pelos cidadãos, só Ben, que ficou
no Brasil, passou por alienado – pior, houve quem o tomasse por
colaboracionista. De facto, nunca se prestou muita atenção ao que ele dizia. Mesmo se em ‘Take it Easy My Brother Charles’ declama: “Depois que o
primeiro homem/ Maravilhosamente pisou na lua/ Eu me senti com direitos, com
princípios/ E dignidade/ De me libertar”. É assim: haverá sempre quem olhe para
a ilustração de Albery na capa deste álbum e veja primeiro Barbarella antes de
reparar que as correntes de ferro que prendem as manilhas aos pulsos do cantor
estão já quebradas. Pois, aqui, solta-se Ben e liberta-se o seu país.
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