Regressa o Trio Wanderer a Joseph Haydn, dezassete
anos após um superlativo volume consagrado a alguns dos derradeiros trios para
piano, violino e violoncelo do compositor – daqueles em que, aos poucos, e de
modo incremental, se ia sentindo já o apelo da eternidade de que Drummond veio
a falar. Altura, então, de se atrasar ligeiramente os ponteiros do relógio e de
apanhar Haydn na mais tardia emancipação da história da música clássica,
quando, aos 58 anos, se começou a libertar dos Esterházy. Daí, quiçá, a
espontaneidade, exuberância e deleite praticamente juvenis presentes em Hob XV:
14 (de 1790), Hob XV: 18 (de 1793) ou Hob XV: 21 (de 1794) – os seus trios nº
27, 32 e 37, respetivamente. Isto, claro está, depois da morte do príncipe
Nikolaus, o maior dos patronos de Haydn, e em consequência do desmantelamento
do consórcio musical à família associado às mãos de Anton, seu filho e herdeiro.
Trata-se de um período em que Haydn pôde começar a administrar as suas
composições livremente, a aceitar encomendas e, pasme-se, a aventurar-se para
lá dos domínios dos Habsburgos – até viu o mar! Aliás, numa carreira com poucos
divisores de águas, tornou-se eminentemente simbólica a sua travessia do Canal
da Mancha no dia de ano novo de 1791, devidamente alforriado e com Londres como
destino. Afinal, tinha chegado da capital britânica o desafio para que escrevesse
exatamente este tipo de trios. Constam relatos da apoteótica receção a um homem
de simpatia e feiura inexcedíveis, de idade avançada e aspeto subnutrido, de peruca
empoeirada, marcas da varíola no rosto e protuberantes pólipos nasais –
conforme confessou ao seu biógrafo, “não foi pela beleza” que seduziu tantas
beldades ao longo da vida. Claro que não: a ponto de lhe terem roubado o crânio
depois de morto, foi pelo que tinha na cabeça. Além de tudo o resto –
sinfonias, quartetos, oratórios –, por coisas como os trios Hob XV: 26 e 31 (de
1795 e 1797), a cuja inspiração formal e melódica é dada aqui expressão
definitiva.
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