Há coisa de 15 anos, num quarto de Hotel, em
Lisboa, falava com Howe Gelb acerca de uma canção sua: ‘Felonious’ (a tal, que
dizia: “The piano’s stealing Lou Reed licks/ Licks that he probably stole/ I’d rather
them be Thelonious’/ I’d rather we’d never get old”). Como é óbvio, o título
era composto por aglutinação a partir da palavra “felonia” e o nome próprio de
Thelonious Monk, mas Gelb fazia questão em explicar que era sobre muito mais do
que isso: “É um título composto, sim, mas eu estou mais tentado a considerá-lo
imposto”, sugeria, em jeito de provocação. “A História da Música faz-se disso:
de apropriações, deslealdades e pequenos atos de traição para com aqueles que
vieram antes de nós e de certa forma nos sustentam. Mas também é mais do que isso,
claro. Olha, o Monk: aparece como que do nada, com um estilo único e
perfeitamente formado. E, no entanto, no jazz, descontando um Bill Evans, consegues
lembrar-te de alguém a quem tanta gente tenha deitado a mão nos últimas 60
anos?”. Talvez tivesse razão. Felizmente, o Angrajazz não permite que ninguém o
esqueça: depois de Alexander Von Schlippenbach ter apresentado “Monk’s Casino”
no Centro Cultural e de Congressos de Angra do Heroísmo em 2007, é a vez do
quarteto de Frank Kimbrough [na foto] visitar as mesmíssimas páginas desse cancioneiro
(sexta, às 23h30). Kimbrough, que de hoje a oito toca igualmente em Lisboa, no
Hot Clube, sabe da poda – lançou no ano passado “Monk’s Dreams: The Complete
Compositions of Thelonious Sphere Monk”. Tratar-se-á de um concerto que
representa bem o espírito do festival, daqueles empenhado em tornar patente um
dilema que outros prefeririam ocultar, que é, no fundo, a contradição inerente
a toda a arte que tenha de ser a uma só vez desafiante e atraente, original e
passível de decifrar, fraturante e unificadora, acessível e avessa a fórmulas. Ilustram-no
ainda Orquestra Angrajazz (quinta, 21h30), Émile Parisien (quinta, 23h30, com
Michel Portal como convidado) ou João Mortágua (sexta, 21h30, com um singular
sexteto de quatro saxofones e duas baterias que traz à memória a aura
apocalíptica do Rova de “The Mirror World”). O festival encerra sábado, com
Allan Harris e Miguel Zenón.
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