No início dos anos 90, em CD, foi lançada uma pequena
coleção chamada NASA – Voyager Space Sounds em que cada título incluía a
seguinte nota introdutória: “A complexa interação de gases ionizados no
universo, a emissão de partículas carregadas provenientes da coroa solar ou a
magnetosfera dos diferentes astros, anéis e luas criam ‘paisagens’ sonoras que
são a um só tempo totalmente estranhas e profundamente familiares ao ouvido
humano.” Sem mais demoras, a explicação logo aproximava ao sopro do vento ou ao
canto dos golfinhos tudo isso que se podia escutar nas gravações realizadas a
bordo das sondas espaciais Voyager ao longo da sua viagem pelo Sistema Solar. Pois,
como teria dito György Lukács (com a anuência de George Lucas): “Afortunados os
tempos para os quais o céu estrelado é o mapa dos caminhos transitáveis e a
serem transitados, e cujos rumos a luz das estrelas ilumina. O mundo é vasto, e
no entanto é como a própria casa, pois o fogo que arde na alma é da mesma
essência que as estrelas.” Exatamente o tipo de pensamento (mais coisa, menos
coisa) com que Terry Riley [na foto, em setembro de 2000, junto a David Harrington, o diretor artístico do Kronos Quartet] se tem vindo a alinhar desde que há 50 anos editou
“A Rainbow in Curved Air”, cantarolavam os Beatles ‘Across the Universe’ e
Bowie ‘Space Oddity’. Agora, com “Sun Rings”, conclui: “Se concedêssemos às
estrelas o poder de nos fazer ver a perspetiva geral do universo, a partir
disto a que chamamos Terra, talvez conseguíssemos amar e apreciar toda e qualquer
forma de vida.”
Está, então, a fazer eco da mensagem de Jimmy Carter gravada no
Disco Dourado e despachada nas Voyager (“Esta é uma prenda de um mundo
distante, um testemunho dos nossos sons, da nossa ciência, das nossas imagens,
da nossa música, ideias e sentimentos. Estamos a tentar sobreviver ao nosso
tempo para que possamos chegar ao vosso”), isto é, da exploração espacial enquanto
auto-ajuda, placebo que transfere momentaneamente para a órbita do quarteto de
cordas com o auxílio de um coro (em dois andamentos) e desses sons captados a
milhões de quilómetros de nós. Tratando-se de Riley, estão cá as sequências de
notas tão naturais quanto – no ioga – são as posições da Saudação ao Sol, aqueles
padrões rítmicos algo enteogénicos, misteriosas melodias imbuídas da aura de um
emissário do Oriente. Porque, para si, o espaço sideral se apresenta sobretudo
como um espaço de cura, mas, também, porque, como Chico dizia, dá mostras de saber
que há “mais samba no chão do que na lua” – o cinquentenário do Apollo 11 que o
perdoe.
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