14 de setembro de 2019

Rodrigo Amado/Chris Corsano “No Place to Fall” (Astral Spirits, 2019)

Dá-se por um intumescimento vagamente deontológico sempre que, no jazz, se tem de dar nome a um destes discos. Atente-se ao Olimpo da coisa, isto é, aos duetos de saxofone e bateria de Frank Lowe e Rashied Ali em “Duo Exchange” (Survival, 1973), de John Coltrane e Rashied Ali em “Interstellar Space” (Impulse!, 1974), de Jackie McLean e Michael Carvin em “Antiquity” (Steeplechase, 1975), de Archie Shepp e Max Roach em “Force” (Uniteledis, 1976), de Anthony Braxton e Max Roach em “Birth and Rebirth” (Black Saint, 1978), de Jimmy Lyons e Andrew Cyrille em “Burnt Offering” (Black Saint, 1991), de David Murray e Milford Graves em “Real Deal” (DIW, 1992), de Evan Parker e John Stevens em “Corner to Corner” (Ogun, 1995), de Sabir Mateen e Sunny Murray em “We Are Not at the Opera” (Eremite, 1998) ou aos de Ken Vandermark e Paal Nilssen-Love em “Dual Pleasure” (Smalltown Supersound, 2002) – é num instante que se vai da alcofa ao cosmos, das rezas às regras, do orto ao óbito, e é como se cada par de músicos que se forma tivesse de se sentir subitamente implicado por tudo quanto o rodeia. Nesse contexto, é uma raridade surgir alguém, assim, como Amado e Corsano, capaz de sugerir que – sem o fardo adicional da identificação com o mundo – o simulacro de simetria que há numa relação a dois é já encargo suficiente.

Curiosamente, e embora a sua prática aponte em termos formais para as luminárias do jazz mais expressionista, fazem nascer no espírito tal ideia ao procurarem conforto nas impressões de Townes Van Zandt, figura que andava à cata nas canções do sustento que a vida lhe negava, como um pobre bicho a revolver uma terra estéril com o focinho – “If I had no place to fall/ And I needed to/ Could I count on you/ To lay me down?”, perguntava ele, com o desconsolo de um órfão, em busca, entre esses que o dia-a-dia lhe ia extirpando, de um qualquer bem inextinguível (e todos os temas deste “No Place to Fall” ganharam designação a partir das páginas desse seu imaculado cancioneiro). É quase um lugar-comum lembrar como muito disto é afeto à doxa da improvisação, como o absurdo e o absoluto se tocam na sua órbita, porventura por se atingir o ponto em que nenhuma convenção lhe restringe o ímpeto narrativo. Inspirados por Van Zandt, Amado e Corsano tocam com um abandono fatalista – sem a pose convicta dos seus predecessores, sem denunciar desigualdades, sem tentar adquirir ou administrar qualquer tipo de poder, simplesmente lançando-se no vazio à espera que, lá, bem no escuro, alguém lhes ampare a queda… Até darem por si no Olimpo.

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