Na penúltima “Artforum” de 1969, em entrevista, Joseph Beuys
dizia que ser professor era a sua maior obra de arte: “O restante é um produto
residual, uma mera demonstração. Se te queres expressar, tens de apresentar
algo tangível. Mas, depois, até isso se reduz à função de documento histórico.
E os objetos já não têm grande importância”, dizia. Pois, inadvertidamente
podia estar a descrever a relação do Art Ensemble of Chicago com a indústria
fonográfica. Aliás, em maio desse mesmo ano, antes de partir para Paris, a
trupe organizou um concerto de despedida na sua cidade natal que teve como
ponto alto um momento impossível de reproduzir em estúdio: conta Paul
Steinbeck, em “Message to Our Folks”, que, entre uma marcha algo paródica, com
direito a fanfarra e a prosódia solene, Joseph Jarman circulou entre o público,
distribuindo bandeirinhas dos EUA e gritando “A América está nas vossas mãos!”.
Como é óbvio, nesse mesmo instante, ninguém pensaria que, 50 anos depois, e
após o falecimento de Jarman, de Lester Bowie e Malachi Favors, o Art Ensemble
of Chicago ainda se poria a atravessar o Atlântico e a levantar ondas. Mas, eis
que ele aí está, terça, na Casa da Música, com dois sobreviventes dessa era (Roscoe
Mitchell e Don Moye - na foto) à frente de uma formação onde se incluem Hugh Ragin e
Tomeka Reid e que possui tanto de retrospetivo como de prospetivo – para o
confirmar, basta escutar o recente “We Are on the Edge: A 50th Anniversary
Celebration” (Pi). Moye, numa conversa com a “Modern Drummer”, em 1981, sintetizou
deste modo o que faziam em palco: “Nas mais antigas tradições musicais e
artísticas negras, uma atuação como a nossa não se poderia resumir
exclusivamente à música. Teria de se dirigir à totalidade das coisas. Por isso,
encaramo-la sobretudo como uma experiência holística.”
Não se vislumbra atitude
mais atual, claro, numa altura em que, dentro do possível, se presta especial
atenção a um dos peculiares paradoxos em que o jazz sempre assentou: o de ter
conquistado uma aura mítica à custa da expressão ao vivo dos seus agentes ao
mesmo tempo que ia procedendo à construção do cânone a cada nova sessão de
gravação. Demonstra-o a vertiginosa série de concertos que se avizinha, em que
se parece disputar a frase com que o célebre “The Jazz Book”, de Joachim Berendt,
abria: “O jazz foi sempre do interesse de uma minoria de pessoas – sempre.” Atente-se
ao Outono em Jazz: além do AEC, vão ao Porto figuras como Kevin Hays e Lionel
Loueke (amanhã), Rabih Abou-Khalil e Joachim Kühn (domingo, 27) ou o quarteto
de Rodrigo Amado com Joe McPhee, Kent Kessler e Chris Corsano (quarta, 30) – a
mesma formação, já agora, que toca a 27 em Coimbra (num Jazz ao Centro que
inclui também Steve Coleman, a 19, ou Fred Frith, a 25) e a 31 na Culturgest. Por
sua vez, com o impecável trio de Kenny Barron, arranca na quinta o SeixalJazz,
em que se destacam ainda o quarteto de Peter Bernstein (sábado, 19), Ralph
Towner (quarta, 23) e a Monk’estra, de John Beasley (sábado, 26). É obra.
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