Nessa crónica do exílio a que chamou “O Cabo das
Tormentas”, Nina Berbérova põe uma das personagens a pensar “naquilo que era
realmente o seu destino, porque nem tudo o que acontecia na sua vida fazia
parte do seu destino.” Ninguém achará extraordinária tamanha racionalização,
mas menos ainda os russos, como ela, ou como Prokofiev, que ela bem conhecia,
que chegou a dizer que na sua errância pelo mundo levava sempre o peso da
pátria às costas. No caso do compositor, pese o paradoxo, nunca mais do que
quando regressou definitivamente a Moscovo, em 1936. Aí, então, e basta ler os
seus diários, cola-se a si a frase completa de Berbérova: “Sentia sempre a
aproximação do destino: tudo [nele] ficava de sobreaviso, como [que] a
preparar-se para receber o golpe – horrível, esmagador, todo-poderoso – da
felicidade ou da desgraça. Sentia de repente a necessidade, não de conhecer,
não de adivinhar, não de raciocinar, mas apenas de se submeter àquilo que
nesses instantes se elevava em si [mesmo] como uma música.”
Melhor descrição para
estas sublimes sonatas, não há, apesar da mais antiga delas, o Op. 29, proceder
de 1917, não tinha ainda Prokofiev pesadelos com Estaline. Não obstante, bordada
que está pelo complexo de emoções que de Prokofiev se apoderou quando soube do
suicídio de Max Schmidthof, um colega e amigo, trata do mesmo que as outras: de
reagir à terrível combinação de circunstâncias que influem de um modo inelutável
na sorte de cada um. Arriscaria dizer que nunca, como aqui, na interpretação de
Melnikov, estiveram os seus mais contrastantes elementos tão dramaticamente
plasmados, o episódio pianissimo
tranquillo e dolce, em especial, tão pungentemente marcado. Na sétima
sonata, Op. 83, essa função recai sobre o seu segundo andamento, quando, de
Schumann, se evoca “Wehmut”, canção em que o Eu lírico se vê invadido por um
sofrimento que tem de permanecer invisível aos outros. E assim ficou, para
sempre – demonstra-o a derradeira sonata, Op. 103, tão despida e no entanto
jamais a nu, coberta pelo que Nabokov identificou em Prokofiev: “Sob a máscara
do otimismo, um sentimento de profunda insegurança.”
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