À boleia de Julio Cortázar, Rava chamou ao seu primeiro álbum
“Il giro del giorno in 80 mondi” (Fonit Cetra, 1972). É algo que salta à
memória, agora que fez 80 anos, em agosto – e a verdade é que audição deste
“Roma” traz à lembrança as linhas iniciais do livro, quando o argentino confessava
ter sentido “mais do que nunca aquilo que torna tais os grandes do jazz, aquela
invenção que permanece fiel ao tema enquanto o combate, o transforma e o irisa”.
Serve isto para dizer que, não, contrariando as piores expetativas, o encontro
de Rava com Lovano na capital italiana não serviu, de facto, para uma cedência
total àquela superabundância de humores que possui aí o seu nicho ecológico. Ou
seja, o Rava de “L’Opera Va” (Label Bleu, 1993) e o Lovano de “Viva Caruso”
(Blue Note, 2002) não são para aqui chamados. Aliás, o trompetista piemontês e
o saxofonista de ascendência siciliana nem estão para frases feitas – e seria
óbvio dizer que cada um decidiu percorrer a menor distância entre dois pontos
para ir ao encontro do outro.
Ao invés, pressente-se em “Roma” a adesão
incondicional ao jazz como motor para transcender fronteiras, nem que seja pela
evocação simbólica de um lugar dali muito distante no mapa: Fort Worth, no
Texas, a cidade que viu nascer – e que logo rapidamente perdeu – gente como John
Carter, Prince Lasha, Dewey Redman ou Ornette Coleman. Nessa medida, reagindo
ao que fazem, talvez sempre se possa recorrer a uma maneira de falar consagrada
pelo uso, sugerindo que Rava e Lovano, cada qual à sua maneira, nunca
permitiram que se ignorasse o quanto desta história se fez de exclusão e de
inclusão, o muito da sua música que se teve de ir alimentando a dor e a afeto
em partes iguais. Com Giovanni Guidi (piano), Dezron Douglas (contrabaixo) e
Gerald Cleaver (bateria), nesta gravação ao vivo de novembro passado, tocam
‘Interiors’ e ‘Secrets’ de Rava (que troca a trompete pelo fliscorne), ‘Fort
Worth’ de Lovano, lá está, e o original ‘Divine Timing’ (também do saxofonista)
que diz tudo sobre a relação entre os músicos. Em “Note necessarie”, a sua
autobiografia, Rava terminava com um lamento: “Quem será ainda capaz de
reconhecer o valor da poesia, no jazz?” Quem escutar “Roma” andará mais próximo
de lhe responder.
Sem comentários:
Enviar um comentário