4 de outubro de 2019

Enrico Rava/Joe Lovano “Roma” (ECM, 2019)


À boleia de Julio Cortázar, Rava chamou ao seu primeiro álbum “Il giro del giorno in 80 mondi” (Fonit Cetra, 1972). É algo que salta à memória, agora que fez 80 anos, em agosto – e a verdade é que audição deste “Roma” traz à lembrança as linhas iniciais do livro, quando o argentino confessava ter sentido “mais do que nunca aquilo que torna tais os grandes do jazz, aquela invenção que permanece fiel ao tema enquanto o combate, o transforma e o irisa”. Serve isto para dizer que, não, contrariando as piores expetativas, o encontro de Rava com Lovano na capital italiana não serviu, de facto, para uma cedência total àquela superabundância de humores que possui aí o seu nicho ecológico. Ou seja, o Rava de “L’Opera Va” (Label Bleu, 1993) e o Lovano de “Viva Caruso” (Blue Note, 2002) não são para aqui chamados. Aliás, o trompetista piemontês e o saxofonista de ascendência siciliana nem estão para frases feitas – e seria óbvio dizer que cada um decidiu percorrer a menor distância entre dois pontos para ir ao encontro do outro. 

Ao invés, pressente-se em “Roma” a adesão incondicional ao jazz como motor para transcender fronteiras, nem que seja pela evocação simbólica de um lugar dali muito distante no mapa: Fort Worth, no Texas, a cidade que viu nascer – e que logo rapidamente perdeu – gente como John Carter, Prince Lasha, Dewey Redman ou Ornette Coleman. Nessa medida, reagindo ao que fazem, talvez sempre se possa recorrer a uma maneira de falar consagrada pelo uso, sugerindo que Rava e Lovano, cada qual à sua maneira, nunca permitiram que se ignorasse o quanto desta história se fez de exclusão e de inclusão, o muito da sua música que se teve de ir alimentando a dor e a afeto em partes iguais. Com Giovanni Guidi (piano), Dezron Douglas (contrabaixo) e Gerald Cleaver (bateria), nesta gravação ao vivo de novembro passado, tocam ‘Interiors’ e ‘Secrets’ de Rava (que troca a trompete pelo fliscorne), ‘Fort Worth’ de Lovano, lá está, e o original ‘Divine Timing’ (também do saxofonista) que diz tudo sobre a relação entre os músicos. Em “Note necessarie”, a sua autobiografia, Rava terminava com um lamento: “Quem será ainda capaz de reconhecer o valor da poesia, no jazz?” Quem escutar “Roma” andará mais próximo de lhe responder.

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