Em África, só em Madagáscar, realmente, para que
uma zebra, um leão, uma girafa e um hipopótamo, como no filme, fossem tidos por
seres do outro mundo – e o inverso é verdadeiro; afinal, os lémures foram
batizados com o termo em latim para “fantasmas” (na Roma Antiga, organizava-se
anualmente a Lemúria para esconjurar espectros malfazejos). Isto, claro, para
dizer que, tal como esses distintos primatas, também a música da ilha se
descreve por aproximação: “O waka waka (a noroeste) e o tsapika (a sudoeste) são primos direitos
do benga queniano e do mbaqanga sul-africano”, sugeria há cerca
de 20 anos Ian Anderson, da recém-defunta “fRoots”, como se a estrutura genética
de tudo quanto se ouve na ilha, face à dos seus congéneres continentais, não
lembrasse, antes, o que Escher fez às escadarias. Atente-se ao catálogo da
Discomad, por exemplo (do qual provém a esmagadora maioria dos temas desta
antologia): ao longo da década de setenta, a editora lançou no mercado malgaxe
nomes como Johnny Hallyday, Françoise Hardy, Aphrodite’s Child, Elton John,
Rolling Stones, Suzi Quatro, Boney M., ou, até, Linda de Suza – mas nada disto,
no entanto, e mal comparando, efetivamente explica a absoluta singularidade da
fauna local (é uma palavra perigosa, essa, a da singularidade, remetendo para
equívocos, como o que levou os guitarristas norte-americanos Henry Kaiser e
David Lindley a designar como “A World Out of Time” as suas gravações in situ).
Na verdade, muito do que se
escuta em “Alefa Madagascar!” (que se deve traduzir por “Avante Madagáscar!”)
provém de uma desgraçada Segunda República (1975-1992) que, não obstante, teve
o condão de tentar exorcizar tudo aquilo que se diria peculiar a um só
indivíduo e não aos outros e que servia muitas vezes para justificar o
injustificável: como a exclusão. Também aí, e então, gente como Jean Kely et
Basth [na foto], Soymanga, Charles Maurin Poty, Feon’Ala, Falafa, ou Mahaleo, situada na
periferia do cânone ocidental mas dele se socorrendo, veio a terreiro lembrar que
o bê-á-bá dos Direitos Humanos podia ser transferido para o seu domínio: não era
por ser diferente da dos demais que a sua música teria obrigatoriamente de ser
tratada de forma diversa.
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