Tinham
sede no Harlem, é sabido, mas estendiam-se por toda a cidade com o vigor e o
rigor de qualquer força oculta. Ou seja, estavam numa terra que não era bem a sua
mas que, no entanto, não iriam permitir que se tornasse outra coisa que não uma
projeção de si mesmos. Tinham origem porto-riquenha, cubana, dominicana,
panamiana, colombiana ou brasileira, e em cada ação denunciavam uma aguda e
imediata perceção das singularidades da vida de emigrante que, curiosamente,
logo servia de referência para comunidades (afro-americana, mexicana, italiana,
espanhola, filipina) que lhes tinham precedência mas não mais ilusões quanto a
direitos adquiridos e sentido de propriedade. A sua música – morada de todas as
tensões mas igualmente um dos incontornáveis endereços da utopia na arte urbana
da segunda metade do século passado – durou enquanto os seus bairros se
mantiveram de pé e foi uma espécie de realização do impossível. Estava já com a
chama extinta quando a Soul Jazz a atiçou através do lançamento desta antologia,
em 1996, mas cedo se provou que as suas qualidades permaneciam intactas. O
mesmo se pode dizer agora, não obstante a inexatidão cronológica a que conduz a
inexplicada ausência dos temas de Harlem River Drive face ao alinhamento da
primeira edição: os únicos que, de facto, provinham daquele 1970 no subtítulo.
Também o par de canções dos Ocho difere dos da versão original, não se sabe se
por defeito ou feitio, e surgem aqui novidades de Charlie Palmieri, Eddie
Palmieri e Ricardo Marrero. Seja como for, a crónica destas movimentações pela
Nova Iorque dos anos 70 – a que se somam as de Rafael Cortijo, Stone Alliance,
Bobby Vince Paunetto, Cachao, Tempo 70, Joe Bataan ou Grupo Folclórico Y
Experimental – torna a lembrar a impossibilidade do pensamento único e o
ridículo de qualquer discurso que dê mostras de assentar numa cultura oficial. E
é disso que o amanhã se faz.
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